1. O carrinho de mão vermelho
Quando criança eu tinha um carrinho
de mão vermelho
como William Carlos Williams.
Vivia marcado de cocô de pomba
branco
sobre o vermelho.
Eu enchia o carrinho de pedaços
de madeira e partia
para construir o mundo.
Nada mais tinha importância.
2.A PEDRA
Uma pedra é uma pedra, é uma pedra.
Não quero que a pedra seja outra coisa.
A pedra em si vale um poema.
Não é preciso dizer nada.
Nenhum símbolo, nenhuma imagem.
É uma forma completa, única, absoluta.
É um poema.
3. EM CRETA, COM O MINOTAURO
Em Creta, com o Minotauro
esquadrinho o labirinto.
Instauro o meu reino restrito.
O sol queima os sonhos.
Eu quebro o candelabro.
Desenrolo o novelo da dor.
A esfinge me decifra: sou
o poeta com a lira em delírio
em Creta, com o Minotauro.
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1. O Carrinho de Mão Vermelho talvez seja o mais famoso poema de William Carlos Willians. É certamente o que mais exemplifica a sua técnica de tirar do poema tudo que é excesso, usar palavras comuns, criando uma pintura clara, quase sem imagens. Não merecia que eu lhe acrescentasse nada, e não o fiz. Acontece que eu tive um carinho de mão vermelho, que enchia (uma amiguinha de infância, uns quarenta anos depois, me lembrou o caso) de pedaços de madeira, como se aquilo fosse a coisa mais importante do mundo. Então, eu precisava registrar o fato.
O poema de WCW é lido fora do contexto. WCW era médico-pediatra e estava em visita ao uma menina doente, em agonia, quando viu pela janela o carrinho vermelho. Daí a sua importância, que, no meu caso, é simples memória.
Deixo abaixo o poema de WCW, para lembrar aos leitores – mais do que comparar.
THE RED WHEELBARROW
so much depends
upon
a red wheel
barrow
glazed with rain
water
beside the white
chickens.
O CARRINHO DE MÃO VERMELHO
tanta coisa depende
de um
carrinho de mão
vermelho
esmaltado de água de
chuva
ao lado das galinhas
brancas
(Trad. José Paulo Paes)
2. O verso “Rose is a rose is a rose is a rose” deve ser mais conhecido do que todo o resto da obra de Gertrude Stein. E é vítima de uma falácia: faz parte de um poema de 1913, e o primeiro Rose refere-se ao nome de uma pessoa, - mas é outro texto lido fora do contexto, como a afirmação de que as coisas são o que são. É nesse sentido que empreguei no meu poema. Francis Ponge ensina no “Le parti pris des choses”, justamente esse “as coisas são o que são”, que eu já aprendera com João Cabral.
Tenho cansado de ver a citação dos versos de Adélia Prado: “Deus de vez em quando me castiga. / Me tira a poesia, olho para uma pedra e vejo uma pedra.” Elogiosamente. E são belos versos. Mas citados fora do contexto, um dos mais longos poemas de Adélia, que fala da condição humana, não da técnica poética. Quanto à técnica, ela sabe que a poesia é linguagem. Que as palavras se tornam especiais com o trabalho da linguagem no poema.
O meu poema refere-se a essa ideia.
3. “Em Creta, com o Minotauro” é o nome de um dos melhores poemas de Jorge de Sena. Vi à exaustão o Minotauro nos labirintos de Jorge Luis Borges. Já não era novidade para mim, por minha formação clássica. É o meu poema mais pessoal dos três acima, quanto a linguagem e visão do mundo.
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