sábado, 13 de novembro de 2010

Elegia de inverno





ELEGIA DE INVERNO



Um espinho em cada pétala. Na memória,

as portas batem contra as palavras.

Quebram taças de magnólia

e ninhos de pardais inundados de luz.



Ouçam os jardins, o eco de um canteiro a outro

até à fonte do unicórnio.

Éramos felizes com os pés no chão,

sujos de terra e limo verde. Éramos eternos.



Quando se abriu a primeira porta.

Quando eu ouvi a voz do gavião.

O trovão ribombou de encosta a encosta.

Era Deus que me chamava.


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O arco-íris aceso na folhagem

de uma a outra árvore, de um a outro monte.

O gavião me enviou. Disse:

Quem vai matar as crianças?



Quem vai, depois, enterrar as crianças?

O riso, a alegria das crianças persiste até depois de mortas.

O cavalo persegue a sua forma.

O cavalo é Deus perseguindo a sua forma.



De argila moldo a minha face,

à espera de Deus.

Ouvi a música imóvel e o verbo.

Eu estava dentro do tempo



tateando as paredes úmidas do poço.

Contemplei o horizonte e me elevei em êxtase.

A rosa é frágil, não suporta o peso do céu.

É a âncora e o barco no mar.


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Veio a chuva, penetrou na casa

e na igreja. Já não sou sozinho.

Veio o sol, trouxe

a forma da beleza.


A permanência dentro da pedra.

A face flácida no espelho

e o diálogo dos fantasmas exilados.

O vento sopra no tempo.


Os caminhos povoados de gorjeios.

O espírito rejubila-se.

Os caminhos se movem.

O sino acordou a montanha.


O sol negro contra o girassol.

A dor das pedras nas lágrimas do crepúsculo.

As garças com a luz nas asas.

O mar se move.


__________


As palavras são o eixo do mundo.

A rosa é eterna.

As palavras não se cansam.

A música encontra a sua forma.


Deposito a música no cântaro e caminho.

A harpa se cala, a música permanece.

A palavra é tudo.

O deserto floresce.



Florescem os leões, as pedras, a areia.

Chegamos ao oásis para ficar.

Meu cavalo repousa à sombra.

Deus repousa à sombra.



A luz move o mar.

As estrelas gritam, as crianças gritam.

Ouço o grito das crianças

entre as pedras, os pássaros e as palavras.


(2007)

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5 comentários:

Henrique Pimenta disse...

... então os fantasmas se apavoraram:

"Meu cavalo repousa à sombra.
Deus repousa à sombra."

Carla Farinazzi disse...

Lindeza, Brandão!

Ouço os gritos das crianças, mesmo daquelas que já se foram. Porque as palavras... Ah, as palavras são mesmo eternas. Ficam pra sempre.

Beijos

Carla

Luiza Maciel Nogueira disse...

a palavra que vira música de vida :)

beijos!

Sonhadora (Rosa Maria) disse...

Poeta

Adorei o poema, adoro a sua maneira de escrever.

A permanência dentro da pedra.
A face flácida no espelho
e o diálogo dos fantasmas exilados.
O vento sopra no tempo.

Diz tanto...

Beijinhos com carinho
Sonhadora

Unknown disse...

José Carlos!

Um dos mais belos poemas que li, reli e percebi que suas palavras tem a inspiração divina!

Parabéns, poeta!

Beijos

Mirze