Os pássaros da auroraA siriema bica o ovo do dia
Na porta da cozinha, quebra a casca.
O cheiro do café coado grita.
O forno gordo estoura com os pães.
Estralam as estrelas no fogão.
As galinhas se agitam no terreiro.
O galo engasga com o sol e grita.
O cavalo relincha sob o arreio.
O meu pai tira leite das vacas
Coroado das flores da paineira.
Os bezerros invadem o pomar,
Os cães correm atrás e latem, latem.
Cantam todos os pássaros da aurora.
A luz inunda a terra como um mar.
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Hoje é o Dia da Terra. Para mim todos os dias são dias da terra. Estou preparando um livro com cem poemas telúricos, que vou lançar provavelmente em 19 de agosto. Telúricos, da terra. Em especial do lugar onde eu nasci, o Matão.
Miguel Torga é do Marão, eu sou do Matão. Diz Torga: “Do meu Marão nativo abrange-se Portugal; e, de Portugal, abrange-se o mundo.”
Lembro mais uma vez Tosltoi: “Canta a tua aldeia e cantará o mundo.” E sigo cantando o meu pedaço de terra, o Matão, e sei que estou cantando a terra vermelha de São Paulo, e a terra branca de Bauru, e as falésias coloridas do Beberibe, e a areia monazítica de Itaguá, em Ubatuba, SP, e o barro de Santa Catarina (morei dois anos lá, há meio século, e chamavam a terra de barro), e estas terras abrangem as terras do mundo inteiro. O barro de que somos feitos, o limo original.
Dedico este poema à terra, neste dia, e todos os outros meus poemas, em todos os dias.
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