sexta-feira, 30 de abril de 2010

O brilho das águas




O brilho das águas


A sombra da nuvem na montanha

Torna mais verdes as árvores próximas.

As vacas pastam ao lado da cerca de pedras.

As cabras pastam do outro lado da cerca.


A terra, a árvore, o pássaro.

A roda d’água sobe até ao sol.

O monjolo sobe, a mão do pilão sobe

E cai como uma lâmina.


As águas brilham como diamantes.

O burro puxa a carroça, as rodas cantam.

O cachorro me morde o calcanhar.


Um galo passeia com a crista erguida.

Pinga sangue da crista. O cavalo relincha.

O sol queima o pássaro. A terra flutua na claridade.


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terça-feira, 27 de abril de 2010

A estrela da noite



A estrela da noite

Pensei uma flor no ventre da pedra.
As baitacas gritam, gargalham.
O pinheiro abre os braços para o céu.
O grito branco de espanto do gavião

Voa num átimo, instaura a claridade.
A minha flor se abre:
A estrela da noite, lívida, sangrando,
Sorri para a alvorada.

Quebrem as garrafas!
Quero um banho de luz verde,
Quero me afogar no sol.

Espero um dilúvio
Para inundar a minha garganta
Seca de Deus.

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domingo, 25 de abril de 2010

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Os pássaros da aurora



Os pássaros da aurora

A siriema bica o ovo do dia
Na porta da cozinha, quebra a casca.
O cheiro do café coado grita.
O forno gordo estoura com os pães.

Estralam as estrelas no fogão.
As galinhas se agitam no terreiro.
O galo engasga com o sol e grita.
O cavalo relincha sob o arreio.

O meu pai tira leite das vacas
Coroado das flores da paineira.
Os bezerros invadem o pomar,

Os cães correm atrás e latem, latem.
Cantam todos os pássaros da aurora.
A luz inunda a terra como um mar.

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Hoje é o Dia da Terra. Para mim todos os dias são dias da terra. Estou preparando um livro com cem poemas telúricos, que vou lançar provavelmente em 19 de agosto. Telúricos, da terra. Em especial do lugar onde eu nasci, o Matão.

Miguel Torga é do Marão, eu sou do Matão. Diz Torga: “Do meu Marão nativo abrange-se Portugal; e, de Portugal, abrange-se o mundo.”

Lembro mais uma vez Tosltoi: “Canta a tua aldeia e cantará o mundo.” E sigo cantando o meu pedaço de terra, o Matão, e sei que estou cantando a terra vermelha de São Paulo, e a terra branca de Bauru, e as falésias coloridas do Beberibe, e a areia monazítica de Itaguá, em Ubatuba, SP, e o barro de Santa Catarina (morei dois anos lá, há meio século, e chamavam a terra de barro), e estas terras abrangem as terras do mundo inteiro. O barro de que somos feitos, o limo original.

Dedico este poema à terra, neste dia, e todos os outros meus poemas, em todos os dias.

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quarta-feira, 21 de abril de 2010

O silêncio



O silêncio

Fomos à ilhota no meio do lago
Para ouvir o silêncio.
Um pássaro de prata imóvel na luz
Abria o bico, não cantava.

O sol estourava a água.
Uma orquídea partia-se com o calor.
Um carreiro de formigas carregava
Uma roseira nas costas.

As pedras do caminho soltavam chispas.
Ouvia-se uma pétala no ar.
Ouvia-se a raiz da árvore sob a terra.

Um lagarto saboreava a claridade.
A libélula ouvia a borboleta.
Nós ouvimos o sol e a sombra.

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quinta-feira, 15 de abril de 2010

Visita ao velho pinheiro



Visita ao velho pinheiro

Volto a abraçar o meu velho pinheiro.
Os seus galhos se estendem para o azul.
Respiro o ar claro da manhã de Deus.
Os esquilos saltitam em busca da luz.

O sol coado de leve entre as folhas
Acaricia o húmus úmido da trilha.
Um bando de beija-flores dança
Numa coreografia de brilhos e cores.

Uma manada de cavalos marcha
Com o equilíbrio natural da raça.
Eu bebo a água da fonte do pinheiro.

O musgo cobre as pedras e o barranco.
Os jacus saltam, voam com estrépito.
Depois, apenas o silêncio verde.

Monte Verde, 15 de abril de 2010.

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Foto: Sônia Brandão

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sexta-feira, 9 de abril de 2010

Invenção do limo



Invenção do limo


O limo veio do córrego,
Do capão de mato onde as águas nascem.
Veio do parto da aurora, das chuvas,
Do medo sangrando no peito

Veio do poço, das tulhas, dos arados ancestrais,
Veio no rabo de um cometa, de uma estrela.
Veio da noite. Cobriu as roças, as árvores, a casa.

Me cobriu.

Sou vestido de limo como todos os caminhos.
As penas dos pássaros são limo,
O relincho dos cavalos, o mugido das vacas são limo.

A voz não diz nada: é limo.
Memória anterior à criação: limo.
Sem forma, sem nome: sou ungido de limo.


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A Henrique Pimenta, http://dobardo.blogspot.com/

que postou um poema chamado Limo e me fez lembrar desse meu... Foi difícil achar, perdido num blog desativado de 2002. Vai aqui (ninguém viu lá). Com a minha homenagem ao Bardo, que ressuscitou este poema.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Monte Verde



Monte Verde

Abraço o velho pinheiro na trilha do bosque.
A seiva verde corre no meu sangue.
O ipê me oferece seus cálices de flores,
Eu me embriago com a beleza do dia.

O bicho-preguiça se pendura num galho,
A arara voa, vaia e aplaude sem parar.
As garças são nuvens leves no céu azul.
O monjolo canta na sombra do vale.

A brisa suave balança as montanhas.
O verde se repete de árvore em árvore.
Os beija-flores dançam, os sabiás cantam.

O cavalo relincha na encosta dos esquilos.
As casas florescem à beira do caminho.
As águas caem, brilham, saltam nos olhos.

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"O poeta abraça o velho pinheiro", em Monte Verde, MG - foto de Sônia Brandão.

Dizem que o velho pinheiro tem mais de trezentos anos.
Foi uma experiência única.
Acho que na semana que vem vou a Monte Verde matar as saudades.

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domingo, 4 de abril de 2010

A caverna




A caverna

Uma cortina de gotas d’água
Na entrada da caverna.
A água vinha do barranco,
Das plantas acima,

E pingava no barro embaixo.
Através das gotas d’água em movimento
Víamos a terra nua
Iluminada pelo sol.

Às vezes folhas secas passavam
Levadas pelo vento do alto da serra.
A luz era agradável

Dentro da caverna:
Tinha um tom róseo,
Lembrava a água ou a terra.

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