Adeus, Lygia
Disseram que
Lygia Fagundes Telles morreu. Não vale. Tanto boco-moco para morrer e a dona
Morte leva a Lygia.
Eu era leitor
eventual de Lygia Fagundes Telles. Como todo mundo, talvez. Aí disseram que ela
vinha fazer uma palestra em Bauru, no Colégio São José. Eu lecionava em Dois
Córregos na época, 1971. Fui vê-la. O seu conto “Antes do baile verde” tinha
sido premiado em Cannes. A popularidade de Lygia aumentava.
Começou
dizendo que o escritor tem a obrigação de saber escrever, não de falar em
público. Logo demonstrou que não precisava dessa inibição ou dessa modéstia.
Nunca vi ninguém falar de sua criação como ela. Dava para sentir o verde
escorrendo pelos dedos de Lygia. O seu conto tomou vida em suas palavras. Aquele
conto não era apenas uma obra de ficção. Tanta vida, e a dor, a perplexidade
por trás.
Eu me
apaixonei por aquele sorriso simpático dessa escritora extraordinária.
Vinte anos
depois eu estava participando do Congresso de Literatura Brasileira. Eu estava
ali para receber o prêmio da V Bienal Nestlé de Literatura Brasileira, isso
justificava estar ao lado dos principais nomes da literatura brasileira, desde
um Millôr Fernandes, um José J. Veiga, um Ledo Ivo, um João Antônio, um Luiz
Vilela, uma Rachel de Queiroz, e Nélida Piñon, sempre protegendo os mais jovens
como eu, ou os mais frágeis como Lygia Fagundes Telles.
Lygia era de
uma fragilidade suave, amorosa. Você a via e sentia vontade de cuidar dela, de amá-la.
Um dia eu e um
grupo de amigos tomamos uma cerveja a mais no intervalo para o almoço e não
encontramos lugar no imenso auditório do Centro de Convenções Rebouças. Sem
problemas, sentamos no chão, no corredor. Eu me sentei, por acaso, ao lado da
poltrona de Lygia Fagundes Telles. Ela me cumprimentou com um sorriso cúmplice.
Era como se estivesse me recebendo no clube fechado dos escritores. Como se eu
fosse um deles. A certa altura, Lygia me estendeu uma latinha de pastilhas
Valda pedindo: “Abre pra mim.” Essa simplicidade me levou para as alturas.
Os seus temas
me conquistaram de uma vez por todas. O amor e a morte, a loucura, a solidão, o
pasmo do homem diante do destino implacável. Salve, Lygia. Você abriu esse
mundo para mim.