A sombra de Tchernóbil
Em 8 de agosto de 2019 uma explosão numa base
marítima militar matou cinco cientistas e o nível de radiação na região
aumentou até dezesseis vezes. A Rússia diz que o acidente foi falha em teste de
foguete, mas especialistas acreditam que o país fazia teste de míssil nuclear. Uma
cidade russa próxima ao local de explosão seria esvaziada, mas a ordem foi
cancelada. Imediatamente se pensou em outro acidente e no livro “Vozes de
Tchernóbil” de Svetlana Alexievich, que denunciou essa catástrofe
sem tamanho.
Era o tempo ainda da extinta U.R.S.S., quando a
verdade era controlada. É triste quando o Estado controla a verdade. Em 26
de abril de 1986, ocorreu o acidente nuclear de Tchernóbil. Um
reator teve problemas técnicos e liberou uma nuvem radioativa contaminando
pessoas, animais e o meio ambiente. As autoridades acobertaram o caso,
minimizaram o desastre enquanto pessoas morriam com dores atrozes, se
decompunham, sem nem saber o que tinha acontecido. Svetlana Alexiévitch, uma
bielorrussa, ganhadora do Prêmio Nobel de Literatura em 2015, levou dez anos para escrever
"Vozes de Tchernóbil", depoimentos de cientistas, soldados, operários
e viúvas das vítimas do episódio. O número de mortos continua um mistério até
hoje. É impressionante ouvir – é
como se estivéssemos ouvindo – as testemunhas desse triste caso, os horrivelmente
sobreviventes, que narram sensatamente, como se fosse possível, esse caso maior
da insensatez humana.
Diz uma voz solitária: “Não sei do que falar… Da morte
ou do amor? Ou é a mesma coisa? Do quê?” “Às vezes parece que escuto a voz
dele… Que está vivo… Nem as fotografias me tocam tanto quanto a voz dele. Mas
ele nunca me chama.” Não é nem possível imaginar uma mulher encontrando o
marido e ser advertida: "Você não deve se esquecer de que isso que está na
sua frente não é mais o seu marido, a pessoa que você ama, mas um elemento
radiativo com alto poder de contaminação. Não seja suicida. Recobre a
sensatez." O Estado escondia a verdade, que era a desintegração de seres
humanos. Daí a conclusão de Svetlana:
“O mecanismo do mal seguirá funcionando no Apocalipse.
Isso eu entendi. As pessoas continuarão
bisbilhotando e adulando os seus chefes para salvar a sua televisão e o
seu casaco de pele. E no fim do mundo, o homem será o mesmo que é agora. Sempre.
Todas as nossas ideias humanistas são relativas. Em situações extremas, o homem
real não tem nada a ver com as descrições dos livros. Nunca vi homens como os
que aparecem nos livros. Não encontrei nenhum. É bem ao contrário. O homem não é um herói, todos nós
somos vendedores do Apocalipse. Os grandes e os pequenos.” Nunca será possível entender tamanha falta de
consideração com o ser humano, tamanha falta de humanismo em nome do Estado. Como
se vê, o perigo continua.
José Carlos Brandão