sábado, 26 de junho de 2010

Berço




Berço

Fazia um silêncio bom debaixo da árvore.
Ela me abraçava com todos os galhos.
Um joão-de-barro construía a sua casa.
Um beija-flor pairou no ar, me beijava.

Caíam folhas muito devagar
Como se o tempo tivesse parado.
As réstias de sol teciam bordados mágicos
Que se transformavam ao meu olhar.

Pétalas brancas flutuavam.
Um sanhaço voava de galho em galho
E mudava de tom de azul quando pousava.
Uma corruíra pulava de uma a outra raiz.

O perfume me inebriava, eu flutuava.
A árvore me embalava, não dizia nada.
Uma aranha tecia a sua teia
Com paciência, sem pressa nenhuma.

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Foto: Flor sobre água

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Cotidiano




Cotidiano

As folhas caindo na porta de casa.
Um grilo reclamando numa fresta.
Uma pipa pendurada no telhado.
A menininha cheia de picadas de pulga.

Estou na janela, o meu cachorro dorme
E o sol quente lá fora.
Um ganso espia através da cerca.
Que idade terá aquele peru tão enrugado?

Um caramujo sobe na parede sem pressa.
O vento farfalha o capim do pasto.
A borboleta revoluteia entre os canteiros.
O gato boceja com preguiça.

O mosquito zune contra a vidraça.
A árvore dança com a brisa morna.
O mesmo céu azul de todo dia.
A água cai, interminável, da caixa d’água.

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quarta-feira, 23 de junho de 2010

Ostras ao vento



Ao Vasqs

Quando encontro
no meu silêncio
uma pérola
é escavado na minha vida
como um abismo.
(Ungaretti)


Conheço que uma ostra ao vento
É muito mais do que uma ostra.
Canta com um ouvido afinadíssimo:
Uma ostra ao vento é toda ouvidos.

Uma ostra ao vento é gozada
Como uma rã, um grilo colorido.
Um cara de cócoras atrás da moita
Tem as ostras ao vento batendo palmas.

Uma ostra ao vento é como um pássaro,
Mas sem asas e sem gaiola.
Uma ostra ao vento nem existe
De tão gozada.

A ostra no mar guarda a dor da pérola,
As ostras ao vento dão risada.
As ostras ao vento batem uma contra a outra,
Quebram os dentes de tanto chacoalhar.

As ostras ao vento são para quem quiser
Morrer de dar risada.
A vida não é uma piada, mas devia.
As ostras ao vento são uma gargalhada.


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O Vasqs é o criador da coluna de humor Ostras ao Vento. (Está escondido no Overmundo: clique no título acima para abrir seu perfil.)
Desde a 1ª vez que vi esse título, pensei em poesia.
O humorista é primo-irmão do poeta. Grandes poetas têm senso de humor. Drummond ou Manoel de Barros têm. Há exceções: não vejo humor em Ferreira Gullar, poeta imenso apesar disso. Um humorista imenso, Millôr, faz questão de ser também poeta, embora assim não se autodenomine.
Por essas e outras, acabei escrevendo o meu poema Ostras ao Vento.

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terça-feira, 22 de junho de 2010

Os ossos do dia




Os ossos do dia

A maritaca eletrocutada
Pende do fio de alta-tensão.
Dois cachorros disputam um osso,
Rosnam, mordem, sangram.

Os urubus caminham pela estrada,
Confundem-se ao asfalto negro, líquido.
Os bem-te-vis atacam o gavião,
A pomba cai ferida, destroçada.

As vacas ruminam a morte
No pasto dos carrapatos.
A coruja guarda a imagem da dor
Na névoa dourada dos olhos.

A borboleta pousa sobre a sombra
Da lagartixa amarela na parede.
Um carreiro de formigas carrega,
Aos pedaços, os ossos do dia.

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domingo, 20 de junho de 2010

Na tarde de sol




1. Na tarde de sol

Na tarde de sol, sem nenhuma sombra,
O canto da cigarra quebra pedras.
O capim gordura cintila.
O pássaro se ajeita no ninho.

A árvore cabe na palma da minha mão.
As garças velam o sol refletido no lago.
O vento encrespa a água.
O martim-pescador se exibe na margem.

As amoras vermelhas pendem de um galho.
O pinheiro em chamas com tanto sol.
Uma teia de aranha equilibra-se
Entre a árvore e o telhado da casa.

Caminho na areia molhada.
Meus olhos revoluteiam com as folhas secas.


2. Composição

As vacas no pasto ao sol, sob tanto azul,
Pastam o verde com paciência.
Nem se importam com a sombra das árvores,
Foram fisgadas pelo anzol do pasto verde.

A árvore eleva a copa ao céu.
As folhas brilham, o sol escorre pelo tronco.
A pomba era tão azul
Marchando na grama verde.

A roda d’água é mágica.
A água brilha tanto, a roda gira.
A vida gira tanto, a vida brilha.

O sanhaço azul contra o verde das folhas
Degusta um a um os coquinhos amarelos.

Sinto o perfume e o sabor de tanta cor na paisagem.


3. Sombra verde

A sombra das nuvens sobre os montes
Torna mais vivo o verde próximo.
As árvores esplendem.
A montanha esplende ao sol.

O céu muito azul,
Poucas nuvens, paina branca, esfiapada.
A paisagem do campo verde.
O pinheiro e eu ansiamos pelo céu azul.

Várias árvores, muitas árvores.
Uma cerca no horizonte
Limitando o campo verde.

Outra cerca no meio do campo
E alguma sombra esparsa.

Um boi solitário rumina a manhã.

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A postagem anterior,“O calor do sol”, é de 9-6-10.
Na de hoje, “Na tarde de sol”, os primeiro poema é de 1-5-10, e os dois outros são de 8-5-10.
“Composição”, anoto aqui porque acho que é um bom título, foi nome dado pela Sônia. Ela disse simplesmente: “É uma boa composição”. Esse é um nome que eu poderia ter dado a muitos de meus poemas. Fica para este.
O verso “O pinheiro e eu ansiamos pelo céu azul” já apareceu aqui neste blog, numa foto.

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sexta-feira, 18 de junho de 2010

O calor do sol




1. O calor do sol

Os patos marcham na água do riacho.
O peru grita, protesta, contra o sol
E a solidão de ser um bicho entre os bichos.

Os bezerros pastam à sombra das jabuticabeiras.
Um mais afoito deita-se e espera, enquanto
Os outros mugem e se coçam, inquietos.

A lenha verde queima no fogão.
As labaredas sobem pelas paredes,
Estralam, estouram e caem por terra.

A água cai do alto da caixa d’água
Para o pequeno lago das carpas douradas.
A água canta e valsa entre a folhagem.

Contemplo as rosas vermelhas no galho.
A laranja explode com o calor do sol.



2. Alguns bichos

O peru caminha no pasto
Perto do lago onde a pata
Navega com os seus patinhos.

A ovelhinha malhada
Mama com desespero amoroso
Na tetas da mãe.

O porco me olha com olhos humanos
E fuça e rola e extasia-se
Com a lama do chiqueiro.

O cavalo olha para trás
Antes de beber a água do rio.
Tem as costelas da dor à mostra.

As vacas penetram no mato
Seguidas da imponência das garças.




3. A nudez e a sede

A corruíra na raiz da velha figueira.
A maritaca no alto do telhado.
O leque da pomba abana o tempo.

O homem se encontra, como num espelho,
Ruga a ruga, no tronco da figueira.
O sol estrala refletido nas folhas verdes.

À frente a paineira despida, seca, nua
Como se fosse morrer. A maior nudez
É a nudez da morte.

A estrada esburacada perde-se ao longe.
Ninguém vai, ninguém vem. Solitária,
Conversa com seus próprios buracos.

Os cactos partem-se ao sol, com sede.
Um cão chega, cheira e urina num cacto.

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quarta-feira, 16 de junho de 2010

Coisas da poesia




Coisas da poesia

O bule de café fumega no fogão.
O queijo frige na palha de milho.
A polenta na frigideira.
Na panela de ferro a banana são-tomé.

A velhinha sorri para mim.
O picumã pende do telhado.
O fogo crepita com a lenha verde.
Eu olho as estrelas entre as labaredas.

Um sapo de castigo num canto da parede.
Um caranguejo toma sol no quintal.
Havia um cheiro de mato
E um cheiro de pão no forno.

A minha língua era torta.
Coisas da poesia.

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segunda-feira, 14 de junho de 2010

O monte em chamas




O monte em chamas

O sol incendiava as árvores.
As casas se balançavam nas chamas.
Os cavalos queimavam na estrada.
Os meus olhos estavam acesos no barranco.

O mato era uma fogueira fumegando.
As vacas flutuavam com as labaredas.
Eu pisava o carreiro das formigas loucas.
O vento levava o fogo das coivaras.

O touro escarvava o chão das figueiras.
Os cachorros vermelhos ganiam.
O grito do sabiá engravidava o dia.

Eu bebia o leite e o sangue da terra
Abraçado à árvore alta do horizonte
No dia grande sobre o monte em chamas.

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sábado, 12 de junho de 2010

Amanhecer no bosque




Amanhecer no bosque

Os meus passos na terra úmida do bosque,
Nas fundas pegadas fica um pouco de mim.
Caminho entre as árvores desviando-me,
Os galhos caem com as folhas molhadas

E pairam diante dos meus olhos em êxtase.
Pairo fora do tempo, num istmo do eterno.
O sangue de uma rosa escorre no meu peito.
Um melro me traz uma estrela nas asas.

As borboletas valsam entre as flores.
Um cachorro fareja a margem da água.
As abelhas carregam o ouro ao sol.

Um cavalo relincha na minha garganta
E eu cavalgo para a água limpa do dia
Insensato e lírico como um galo no anzol.

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Este poema tem alguns anos.Mas pertence aos meus poemas telúricos, está no livro Memória da Terra (que está saindo do prelo).
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quinta-feira, 10 de junho de 2010

O lírio da madrugada




O lírio da madrugada

No escuro da madrugadinha
As vacas soltam fumaça pelas ventas.
Cai o sereno sobre os bezerros
Chorando ao longe.

A lua ainda está no céu
Pesado de bruma.
Vem uma brisa do lado do rio,
Traz o cheiro dos salgueiros.

As águas correm no ribeiro abaixo
Do quintal das jabuticabeiras floridas.
A cabra chacoalha o cincerro.
Os porcos grunhem, fuçam a lama.

O dia nasce devagar. Um lírio
Floresce num monte de estrume.

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terça-feira, 8 de junho de 2010

Os raios de sol




Os raios de sol

Os pardais ciscam o capim entre as pedras.
A maritaca grita no telhado,
Depois se pendura pelas patas, com o biquinho aberto.
As flores do pessegueiro caem com tristeza.

Um rato corre, espia do buraco.
Atravesso descalço o córrego ao lado de casa.
Uma libélula me acompanha.
Sinto um cheiro de alecrim no ar.

Olho ao longe o cafezal florido.
O espantalho cai, com tantos pássaros.
Um menino canta, chora e canta de novo.
A graça dos crisântemos brancos.

A garça caminhando solene entre os bois.
Os raios de sol e a sombra da figueira.

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domingo, 6 de junho de 2010

O boi




O boi

O boi pastava borboletas no jardim.
Esse boi é tudo quanto eu quero.
Os bagres puseram o córrego de bruços
E escovaram os dentes com inhame.

A rã se ajoelha de toalha no pescoço.
O bem-te-vi repete a mesma paisagem,
As mesmas palavras têm anzol dentro.
O lagarto conhece cada gomo da pedra.

À beira da estrada uma árvore reza.
O poema se concentra nas coisas,
De ser coisa se basta como um moirão.

Carrego uma cobra no bolso da calça,
Com uma embira prendo na paisagem.
Na minha língua um boi está pastando.

19-2-2003
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sexta-feira, 4 de junho de 2010

Relíquias




RELÍQUIAS

Vidrinhos de remédio, bolinhas de gude.
Um canivete enferrujado, minúsculo.
Duas pedras que foram instrumentos de índios.
Quatro dentes de aço, pontudos, polidos.

Duas páginas manuscritas em iídiche.
Uma armação de óculos de tartaruga.
Uma certidão de nascimento rasurada, ilegível.
Três estribos de prata e duas lupas.

Um bule azul com flores brancas e vermelhas.
Um punhal de cortar fumo com a lâmina gasta.
Um prego exilado da sua parede.

Um dedo seco com uma aliança de ferro.
Uma cruz com o Cristo preso pelos pés.
Um soldadinho de chumbo sem pernas.

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quinta-feira, 3 de junho de 2010

O meu Tear está também no Cariricaturas (clique aqui para ver)

O meu Tear com muita honra está no Inscrições, da Dade Amorim (clique aqui para ver)


Quando eu era árvore




Quando eu era árvore

Esse vento me lembra de quando eu era árvore.
À beira do córrego, no fundo do quintal.
Os peixes espiavam curiosos
A orquestra de pássaros entre as folhas.

Como era bom sentir as minhas raízes
Sumarentas dentro da terra.
O musgo me subia pelo tronco.
O sol beijava as minhas orquídeas.

O sol depois da chuva era gostoso.
Os pica-paus me bicavam a pele
E davam risada. Árvore!

O dia nascia nos meus galhos.
Eu ouvia a água, o sol, o vento.
A terra era a minha alma.

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