Foto: Sônia Brandão
AS PÉTALAS
As pétalas da rosa
são a rosa
queimando no fogo.
A MULHER
A mulher erguendo a mão
para a macieira
em chamas.
DEITADOS
Deitados sob a árvore
o amor nos chamava
da cascata de estrelas.
MORREMOS
Morremos com cada morto
que enterramos.
A POMBA CAI
A pomba cai do céu azul
sobre as línguas famintas
das pedras.
ABANDONO
Abandonei o meu corpo
na praia
olhando o mar.
O CÁLICE
Beberei do cálice
até a última gota.
UM EPITÁFIO
Palavra na pedra
o poema é um epitáfio.
SOL DE MOSTARDA
Ao sol de mostarda
corre o rio para o mar.
A POEIRA
A poeira se eleva
as cinzas do meu pai
caem no mar.
OS CAVALOS DO MAR
Os cavalos montam
as ondas do mar
nas praias do fim do mundo.
O OLHO
O olho no galho da roseira
alto, lúcido e belo
como uma rosa sangrando.
sábado, 28 de fevereiro de 2009
sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009
Nasce um poeta
Não me lembro, naturalmente, do primeiro livro que li. Mas o primeiro livro de poesia que li lembro bem: “Os Simples”, de Guerra Junqueiro. Foi quando descobri que o poeta era um cara de carne, osso e pescoço como a gente. E que a gente simples da roça, os bichos, as árvores, o ambiente da minha infância, enfim, podiam ser matéria de poesia. Portanto, se eu me esforçasse, se aprendesse as manhas, as técnicas do ofício, poderia também ser poeta.
Já quiseram me desqualificar essa lembrança, talvez num elogio: eu seria poeta de qualquer forma, encontrando-me com Guerra Junqueiro ou não. Talvez, mas para mim, se não foi essencial, foi tão bonito esse encontro que é como se fosse essencial.
Eu era seminarista em Rio do Oeste, SC, quando me caiu nas mãos um exemplar velhíssimo, que tinha todo o sabor de novidade do mundo. Nos livros escolares eu já lera poemas de Camões e Bocage, Bilac e Alphonsus de Guimaraens ou Cruz e Sousa: não eram gente, mas entidades algo abstratas. Guerra Junqueiro foi o primeiro poeta que eu conheci. Era um homem como o meu pai, o meu avô, os homens da roça que eu conheci.
Abra um livro e encontrarás um homem – nunca um adágio caiu tão bem. Abri “Os Simples” e foi uma iluminação. Eu descobri que a palavra tem mais poder do que dar nome, convencionalmente, às coisas. A palavra criava as coisas. Tinha o poder de criar o mundo.
Os poemas são órgãos ligados por artérias especiais ao poeta que os criou. São partes do poeta. O conjunto desses poemas, um livro, é o poeta. Posso estar exagerando, querendo assim pagar uma dívida a Guerra Junqueiro, mas é o que sinto, o que intuo, com força de verdade: somente o livro pode revelar o poeta, não poemas isolados, por melhores que sejam.
Continuarei esta crônica para falar um pouco mais de Guerra Junqueiro, para tentar explicar por que ele foi importante para mim, embora já tenha dado a resposta: porque no seu livro “Os Simples” encontrei um poeta, e descobri que o poeta é um homem.
quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009
Sem palavras
Foto: JCMBrandão
Caímos no exílio
sem palavras
nem outra paisagem.
PREGOS
Eu pregava pregos
como se não fosse
o meu caixão.
EMBRULHO
Adivinhou a cor do embrulho
e caiu em silêncio profundo.
A MORTA NA CAMA
A morta na cama
com lírios brancos nas mãos
e o eterno nos lábios.
A ETERNIDADE NAS UNHAS
Tinha a eternidade nas unhas
limpas do sangue
derramado.
Caímos no exílio
sem palavras
nem outra paisagem.
PREGOS
Eu pregava pregos
como se não fosse
o meu caixão.
EMBRULHO
Adivinhou a cor do embrulho
e caiu em silêncio profundo.
A MORTA NA CAMA
A morta na cama
com lírios brancos nas mãos
e o eterno nos lábios.
A ETERNIDADE NAS UNHAS
Tinha a eternidade nas unhas
limpas do sangue
derramado.
quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009
Quarta-Feira de Cinzas
Altar da Igreja Matriz São Joaquim, de Igaraçu do Tietê, SP,
que frequentei na minha infância.
2Co 4, 7
Temos um tesouro
a excelência de Deus
nos vasos de barro.
A ESCADA DE JACÓ
Sobe a escada de Jacó
e luta contra o anjo,
luta contra Deus.
Homem, tua derrota
será tua vitória.
Tua hora é agora
e o teu túmulo,
o poema.
SENHOR, A NOITE É NOSSA
Senhor, a noite é nossa.
Teu corpo nos agasalha, Senhor.
Teu sangue nos alimenta.
Nós quebramos o espelho
E escorre sangue da tua imagem, Senhor.
As estrelas choram conosco.
Somos como camelos alongados na areia
Em busca da sua própria sombra.
Palavras são tudo que nos resta
Em nossa pobreza
E são secas como a pedra e a areia.
Senhor, tende piedade de nós.
Temos só o teu corpo
E o teu sangue, Senhor.
terça-feira, 24 de fevereiro de 2009
segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009
Cavalgada
A MENINA LOUCA
A menina louca
uiva para a lua cheia
no nevoeiro.
A CECÍLIA MEIRELES
Pastora de nuvens,
navegas no mar antigo
e no espelho lívido.
CAVALGADA
Além da linguagem,
a nuvem sacode a crina
e cavalga o poema.
FLOR DO LÁCIO
Lavrei a palavra
mamei nas tetas da língua
a Loba de Roma.
MÓ
O boi e o cavalo
mantêm o mundo girando
na moenda do tempo.
ÁPICE
O mito da vida
chega ao fim
e nada se conclui.
domingo, 22 de fevereiro de 2009
O Lavrador
O LAVRADOR
Lavro a palavra
com o arado
quebrando pedras.
PASCAL
O silêncio eterno
do abismo infinito
me alucina.
O CÉU
Toquei o céu
com as mãos nuas.
Sangraram.
IDEAL
O círculo perfeito
do pássaro
no abismo.
CONTRA
Contra mim mesmo,
amo a morte antes de tudo.
Depois a estrela do mar.
DOMICÍLIO
A morte será
o meu domicílio
enquanto viver.
MÉTODO
O poeta escreve
com estrelas, pedras, pássaros.
Não com palavras.
AS AFOGADAS
As filhas das estrelas
se afogaram
no mar.
O VASO
Um vaso de barro
o desenho de uma jovem
renasce das cinzas.
A LUA AZUL
A lua azul se levanta
sobre o pinheiro verde
e mergulha no lago.
O ARAME FARPADO
O arame farpado
entre o olhar e o nevoeiro
estrangula a paisagem.
A SEMPRE-VIVA
A sempre-viva
entre as pedras da Canastra
sorri ao sol.
POSE
Na terra molhada
do canteiro de buganvílias
a pomba posa para a foto.
O MORTO
Quem eu fui morreu.
Não sou um outro no espelho,
mas ninguém.
NADA
Não me sobrou nada.
Perdoá-los por quê?
Um morto não esquece.
RETORNO
Ainda retornarei
à mínima desordem
do mar.
ECLIPSE
Nas pétalas de magnólia
te exilas
em mito transmutada.
ELIPSE
A morte
separa a rosa da sombra
no abismo.
O Lavrador + 17 poemas à escolha do leitor.
21-02-09
Fotos: JCMBrandão
sábado, 21 de fevereiro de 2009
sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009
quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009
quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009
terça-feira, 17 de fevereiro de 2009
Êxtase
segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009
Ninguém
Foto: Brandão
Tinha formigas na boca
Tinha cal nos olhos
Tinha o coração na avalanche
O gavião gritava na torre
As pedras despencavam na montanha
Os pinheiros se contorciam na encosta
Os oleiros suavam barro e sangue
A chuva devorava o desejo
As águas afogavam os cavalos
Os corpos das crianças no monturo
As árvores cobertas de cinza
A angústia no nevoeiro
A carne podre do abutre
No azul da alma de Deus o esquecimento.
Tinha formigas na boca
Tinha cal nos olhos
Tinha o coração na avalanche
O gavião gritava na torre
As pedras despencavam na montanha
Os pinheiros se contorciam na encosta
Os oleiros suavam barro e sangue
A chuva devorava o desejo
As águas afogavam os cavalos
Os corpos das crianças no monturo
As árvores cobertas de cinza
A angústia no nevoeiro
A carne podre do abutre
No azul da alma de Deus o esquecimento.
domingo, 15 de fevereiro de 2009
A companheira de viagem
A morte é minha companheira de viagem
Para que eu não me esqueça da paisagem
Para que eu sinta a eternidade
Vamos de mãos dadas
Olha a árvore que passa
Olha a sombra na água
Olha as cinzas da rosa
A morte é minha companheira de viagem
O anjo se eleva ao céu na nuvem de fumaça
Sou a face de Deus generosa
Sou a criança com um pássaro na mão
E o pássaro vai voar, vai voar
O cavalo carrega o sol no lombo
Eu carrego a morte nos ombros
Ela me conhece e conversa comigo
A morte é minha companheira de viagem.
sábado, 14 de fevereiro de 2009
O milagre
sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009
A casa do lago
A casa do lago é um poema
refletido na água
com peixinhos na varanda
e arco-íris por todo lado.
A casa do lago navega
vai só até ali
na outra barranca
depois volta balançando feliz.
A casa do lago quieta
sob duas árvores floridas
de janelas abertas e floridas
espera por mim.
A casa do lago verde
sobre a água verde
com os seus pássaros verdes
canta para mim.
quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009
A coruja verde
Uma coruja verde está pousada
no aparador de minha sala de visitas.
Tem os olhos voltados para a direita e a esquerda,
mas sei que está me olhando.
É feita de uma madeira leve, a balsa.
Não sei por que a pintaram de verde,
mas foi uma feliz ideia:
imagino a coruja amanhecendo
como uma árvore.
A cor da sabedoria deveria ser o verde,
como uma árvore que vai florir
e voar com tanta claridade.
quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009
Eça e Machado
Josué Montello diz que há escritores de uma língua e escritores de uma literatura. O escritor de uma língua não pode ser transposto para outra sem ser desfigurado, tornando-se irreconhecível. Seria o caso de Eça de Queirós. Enquanto o escritor de uma literatura pode ser transposto para outra língua, como Machado de Assis. Justificando-se assim porque Machado se universaliza, e Eça não, porque as traduções o desfiguram.
Não penso assim. Para mim, Machado é escritor universal, expressa uma visão do mundo que é do Brasil, mas também da América Latina, dos Estados Unidos, da Europa. Eça de Queirós seria o escritor de Portugal, que retrata o sentir português do mundo. Daí a dificuldade de ser traduzido, sentido e apreciado fora de Portugal. Eça escreve para os portugueses, é escritor de uma pátria, ao contrário do apátrida Machado de Assis.
Não conheço as traduções de Eça e suas repercussões no exterior. Mas posso falar bem do nosso tão brasileiro Machado, que eu acabei de chamar de apátrida. Pois tinha um humor tão refinado, intelectualizado, feito de minúcias pegadas a pinça de um Swift, de um Sterne, de um Xavier de Maistre, de um Fielding, etc., e até de um Garrett tão português, que no Brasil tínhamos dificuldade de chamá-lo de brasileiro. Demorou, talvez tenha sido preciso até que estrangeiros viessem aqui estudá-lo, para descobrirmos o quanto brasileiro ele era, na essência, não nas aparências.
Não quero dizer que Eça de Queirós seja menos universal. Quero dizer que sinto Eça como muito português. Com páginas deliciosas, deliciosamente portuguesas. Para mim Eça é o escritor de uma pátria, ao contrário do que diz Josué Montello. Eça é bem português e a paisagem portuguesa mais que presente em tudo que ele escreve, a paisagem física ou humana. Machado e Eça, os dois fizeram muito pela língua portuguesa, pátria de ambos. Como do maranhense Josué Montello, que também fez muito pela língua portuguesa.
terça-feira, 10 de fevereiro de 2009
A eternidade e outros treze poemas
A ETERNIDADE
A eternidade na linha do horizonte.
A eternidade é a linha, no horizonte.
A TUA FACE
A tua face dividida
ao meio, no relógio.
A NOSSA MORADA
Muitas vezes saímos à janela,
muitas vezes saímos de casa,
viajamos, conhecemos, trabalhamos, sempre voltamos.
O esquecimento é a nossa morada.
ROSAS
Cortei uma braçada de rosas.
Amanhã cortarei outra braçada de rosas.
Sempre haverá novas rosas para cortar.
Enquanto eu existir, haverá rosas.
O AZUL DE DEUS
Eu beberei do azul de Deus todos os dias.
A pedra sangra, o relógio sangra, a rosa sangra,
os meus olhos caem por terra com os pássaros mortos.
Eu navego calmamente no mar azul de Deus.
O MEU CAVALO
O meu cavalo come na minha mão.
As minhas árvores e os meus pássaros cantam.
O meu universo está em ordem.
A terra espera as minhas raízes.
ESCREVO
Componho a face do tempo no espelho.
Sou uma pérola na concha e escrevo.
Bebo o vinho do olvido no mar e escrevo.
EU QUERO A ROSA
Eu quero a rosa.
A pedra na minha mão vai florescer.
Da palavra na minha mão a pedra vai florescer.
VELÓRIO
O último a sair
feche os olhos do morto.
ADEUS
Os mortos sempre acenam em despedida
aos que ficam.
SOLIDÃO
O homem é só como uma flor de pedra no deserto.
VERÃO
O pássaro carrega o verão nas asas
e no canto.
FÊNIX
A palavra renasce das próprias cinzas.
O CÂNTARO INEXTINGUÍVEL
Quem bebe da palavra pensa no cântaro
e em quem fez o cântaro inextinguível.
segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009
O pêndulo
Contempla a estrela
em silêncio na montanha –
o pêndulo do universo
dizendo sim, não, sim, não
no deserto.
em silêncio na montanha –
o pêndulo do universo
dizendo sim, não, sim, não
no deserto.
Gênese
Entre pedra e água,
a palavra.
A árvore cresce na água,
linguagem.
O pássaro voa da pedra,
o poema.
a palavra.
A árvore cresce na água,
linguagem.
O pássaro voa da pedra,
o poema.
De mãos dadas
Caminhamos de mãos dadas na areia
da praia, em silêncio, sob as estrelas.
A nossa vigília amorosa se prolongava.
Olhei dentro da água dos teus olhos –
a minha alma pairava refletida.
Ao som do mar, sob o céu profundo,
as nossas almas se encontraram para sempre.
da praia, em silêncio, sob as estrelas.
A nossa vigília amorosa se prolongava.
Olhei dentro da água dos teus olhos –
a minha alma pairava refletida.
Ao som do mar, sob o céu profundo,
as nossas almas se encontraram para sempre.
A prata dos carvalhos
O menino é levado para o muro sob a prata dos carvalhos.
É noite e as pétalas da lua caem das folhas lívidas.
Olhando o céu, o menino modula a palavra de sombra
com as ondas do mar no coração.
É noite e as pétalas da lua caem das folhas lívidas.
Olhando o céu, o menino modula a palavra de sombra
com as ondas do mar no coração.
O menino e o mar
Era o tempo dos mortos.
O mar lançava a noite para a terra.
A praia era um grande cemitério,
os cadáveres de boca aberta à luz das estrelas.
As almas dançavam sob a copa das árvores.
Foi quando se ouviu o choro fraco de um menino.
Dentro de uma concha, como uma pérola negra,
um menino dizia que a vida, como o mar, sempre recomeçava.
O mar lançava a noite para a terra.
A praia era um grande cemitério,
os cadáveres de boca aberta à luz das estrelas.
As almas dançavam sob a copa das árvores.
Foi quando se ouviu o choro fraco de um menino.
Dentro de uma concha, como uma pérola negra,
um menino dizia que a vida, como o mar, sempre recomeçava.
Quebrei os relógios
Quebrei todos os relógios.
Em silêncio, na praia da ausência,
converso com os meus fantasmas.
Em silêncio, na praia da ausência,
converso com os meus fantasmas.
domingo, 8 de fevereiro de 2009
Entre pedra e água (Arte poética de João Cabral de Melo Neto)
Foto: Marjorie Salu
1. Entre pedra e água, essa indolência
de mineral voltado para
dentro de si mesmo até quando
em intensidade pulsando;
que se pedra e água à roda-viva
emaranha alheios corpos,
eles corpos nada verão
do miolo desse ocluso pão;
que entre pedra e água, a indiferença
geométrica, lâmina fria
desvenda as coisas, os alheios
volumes, nunca o próprio seio;
assim entre pedra e água, a faca
corta o poema, bem ao meio
da frieza bem-humorada
da palavra, infecta de nada.
2. Essa a imagem, sempre de fora
que o dentro é só dela palavra
medida com precisão, cálculo
entre pedra e água, o mais agudo;
que a alta defesa da palavra
é carta geográfica para
não se orientar, severo enigma
entre pedra e água, inapreendida;
que é essa a matemática doma
do que indômito se faz, verbo
deserto, de mil fímbrias, lâmina
entre pedra e água, onde se escande
o poema numa fímbria exata
e contida como se o número
fosse o próprio timbre do canto
entre pedra e água, penetrante;
3. Se quando alfinetes penetrem
uma garganta, entre pedra e água
jorre o canto, nunca de espesso
sangue, mas sim de seu avesso;
que um alfinete ou outra seta
procura o canto entre pedra e água
por conhecê-lo aí vazio
de lágrimas ou outros cios;
que uma agulha busca somente
a natureza entre pedra e água,
a natureza sem vertigens
só dela agulha, impassível;
que esse estilete fere tanto
uma garganta, entre pedra e água
para saber-se imagem pura,
poema inciso em ponta de agulha.
4. A pedra doma a água, o seu ímpeto
mais voraz, resistindo até
que, subjugada, ela arrefeça
seus vórtices e pare, queda;
a água doma a pedra, polindo
as suas arestas até
que se volte sobre si mesma,
lisa, tal seda, pedra seda;
esse metódico trabalho,
água contida pela pedra,
tal a palavra, entre pedra e água
que se contém, em grave lavra;
geometria elementar,
o amaciar da pedra pela água,
tal o poeta, entre pedra e água,
esse engenheiro da palavra.
5. Entre pedra e água está o poema,
sem perder sua vegetal
natureza aquém de raízes
e além-ramada, em cicatrizes;
cicatrizes que mais se con-
densam, em sendo o próprio âmago
dele poema entre pedra e água
de todo excesso depurado;
depurado em fino alguidar
onde o que entre pedra e água seja
o mais puro ouro que se busca,
o verbo vivo, verbo-súmula;
súmula do que de mais livre
concentra-se numa palavra,
antes e depois, mesmo quando
de entre pedra e água findo o encanto.
(Em 1972, escrevi este exercício de admiração a João Cabral de Melo Neto. Contraria muito o poeta, eu pensava, e esqueci-o. Hoje não tenho tantos escrúpulos e mostro-o.)
1. Entre pedra e água, essa indolência
de mineral voltado para
dentro de si mesmo até quando
em intensidade pulsando;
que se pedra e água à roda-viva
emaranha alheios corpos,
eles corpos nada verão
do miolo desse ocluso pão;
que entre pedra e água, a indiferença
geométrica, lâmina fria
desvenda as coisas, os alheios
volumes, nunca o próprio seio;
assim entre pedra e água, a faca
corta o poema, bem ao meio
da frieza bem-humorada
da palavra, infecta de nada.
2. Essa a imagem, sempre de fora
que o dentro é só dela palavra
medida com precisão, cálculo
entre pedra e água, o mais agudo;
que a alta defesa da palavra
é carta geográfica para
não se orientar, severo enigma
entre pedra e água, inapreendida;
que é essa a matemática doma
do que indômito se faz, verbo
deserto, de mil fímbrias, lâmina
entre pedra e água, onde se escande
o poema numa fímbria exata
e contida como se o número
fosse o próprio timbre do canto
entre pedra e água, penetrante;
3. Se quando alfinetes penetrem
uma garganta, entre pedra e água
jorre o canto, nunca de espesso
sangue, mas sim de seu avesso;
que um alfinete ou outra seta
procura o canto entre pedra e água
por conhecê-lo aí vazio
de lágrimas ou outros cios;
que uma agulha busca somente
a natureza entre pedra e água,
a natureza sem vertigens
só dela agulha, impassível;
que esse estilete fere tanto
uma garganta, entre pedra e água
para saber-se imagem pura,
poema inciso em ponta de agulha.
4. A pedra doma a água, o seu ímpeto
mais voraz, resistindo até
que, subjugada, ela arrefeça
seus vórtices e pare, queda;
a água doma a pedra, polindo
as suas arestas até
que se volte sobre si mesma,
lisa, tal seda, pedra seda;
esse metódico trabalho,
água contida pela pedra,
tal a palavra, entre pedra e água
que se contém, em grave lavra;
geometria elementar,
o amaciar da pedra pela água,
tal o poeta, entre pedra e água,
esse engenheiro da palavra.
5. Entre pedra e água está o poema,
sem perder sua vegetal
natureza aquém de raízes
e além-ramada, em cicatrizes;
cicatrizes que mais se con-
densam, em sendo o próprio âmago
dele poema entre pedra e água
de todo excesso depurado;
depurado em fino alguidar
onde o que entre pedra e água seja
o mais puro ouro que se busca,
o verbo vivo, verbo-súmula;
súmula do que de mais livre
concentra-se numa palavra,
antes e depois, mesmo quando
de entre pedra e água findo o encanto.
(Em 1972, escrevi este exercício de admiração a João Cabral de Melo Neto. Contraria muito o poeta, eu pensava, e esqueci-o. Hoje não tenho tantos escrúpulos e mostro-o.)
sábado, 7 de fevereiro de 2009
sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009
quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009
A palavra caiu
A palavra caiu
fora de casa, na noite.
Resta o silêncio
da imagem
como uma pedra
na mão.
fora de casa, na noite.
Resta o silêncio
da imagem
como uma pedra
na mão.
A palavra nos lábios
a palavra nos lábios
crestados
uma estrela cai
na cabeça
a pedra aberta
brilha
o silêncio da rosa
na água
crestados
uma estrela cai
na cabeça
a pedra aberta
brilha
o silêncio da rosa
na água
O perfume do verão
o perfume do verão
no abismo da memória
o abandono do teu corpo
na campânula da noite
no abismo da memória
o abandono do teu corpo
na campânula da noite
O silêncio
O silêncio do ouro
e a flor boiando no sangue.
O relógio quebrado
com a palavra.
O vento leva as cinzas.
e a flor boiando no sangue.
O relógio quebrado
com a palavra.
O vento leva as cinzas.
quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009
O mar queima
O mar queima as rochas,
o sal arde.
Os atobás caminham de peito erguido
na areia escura da praia.
Estrelas brilham na água.
O eterno instaura-se no azul,
entre as nuvens.
Manchas de sombra
nos envolvem.
Um sino insiste: cintila, cintila.
o sal arde.
Os atobás caminham de peito erguido
na areia escura da praia.
Estrelas brilham na água.
O eterno instaura-se no azul,
entre as nuvens.
Manchas de sombra
nos envolvem.
Um sino insiste: cintila, cintila.
Do cântaro
Do cântaro saiu sangue
em lugar de água.
Ao longe barcos de flores
e um pássaro assassinado.
Um sino tange.
A pedra cai da montanha
em silêncio.
em lugar de água.
Ao longe barcos de flores
e um pássaro assassinado.
Um sino tange.
A pedra cai da montanha
em silêncio.
A noite dos violinos
A noite dos violinos e a dor
nos dedos crispados.
Quem decifrará o voo da gangrena
na pele do eterno?
A mulher pisa os cacos de vidro,
vai deixando um rastro de sangue pelo caminho.
A sarça ardente dos pulmões sopra uma língua de fogo.
A palavra cavalga um cavalo de luz.
As tetas da memória acesa
alimentam as crianças das veredas perdidas.
O meu sêmen fertiliza a terra.
O silêncio de Deus move as pedras.
Caminho no bosque dos eucaliptos
com uma tocha acesa nos olhos.
nos dedos crispados.
Quem decifrará o voo da gangrena
na pele do eterno?
A mulher pisa os cacos de vidro,
vai deixando um rastro de sangue pelo caminho.
A sarça ardente dos pulmões sopra uma língua de fogo.
A palavra cavalga um cavalo de luz.
As tetas da memória acesa
alimentam as crianças das veredas perdidas.
O meu sêmen fertiliza a terra.
O silêncio de Deus move as pedras.
Caminho no bosque dos eucaliptos
com uma tocha acesa nos olhos.
Tanta claridade
O vento varre
As palavras afogadas
segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009
João 1, 18
Ninguém viu a face de Deus.
Eu vi a face do meu pai.
Ouvi a sua voz serena
ou o seu grito de trovão.
A sua voz criou o mundo.
Não vi a Deus, mas vi meu pai
e basta.
Eu vi a face do meu pai.
Ouvi a sua voz serena
ou o seu grito de trovão.
A sua voz criou o mundo.
Não vi a Deus, mas vi meu pai
e basta.
Sei que estou morrendo
Sei que estou morrendo
porque tenho um cheiro
de formiga
nas axilas
e a minha língua se quebra
em contato com a luz.
porque tenho um cheiro
de formiga
nas axilas
e a minha língua se quebra
em contato com a luz.
A eternidade na face
A eternidade na face
como uma pétala de rosa
sopra, sopra
acende um incêndio
com a pedra do crepúsculo.
como uma pétala de rosa
sopra, sopra
acende um incêndio
com a pedra do crepúsculo.
Os passos da morte
Posso ouvir os passos da morte
seu cheiro de jasmim
o sangue escorrendo
na terra úmida.
Apenas as palavras
gravadas na pedra
ficarão.
seu cheiro de jasmim
o sangue escorrendo
na terra úmida.
Apenas as palavras
gravadas na pedra
ficarão.
A foice da morte
A foice da morte
cortou-lhe a garganta.
Um gavião gritou de espanto
com a cor do sangue.
cortou-lhe a garganta.
Um gavião gritou de espanto
com a cor do sangue.
Assinar:
Postagens (Atom)
Kišna duga
iza rešetaka
plače iznad grada.
ou:
Кишна дуга
иза решетека
плаче изнад града.