sexta-feira, 18 de maio de 2018

A porteira da tarde





A cigarra desfia a porteira da tarde. Eu sou uma moringa d’água porejando. O cachorro deitado na sombra fresca, de língua de fora, abana o rabo.

As rãs fazem festa na beira do rancho e as ingazeiras conversam com os inhames. As porcas se espojam na lama gostosa, a caranguejeira sai do ventre da terra.

O bugio coça o queixo, boceja com preguiça. Os cupins fazem a sesta sob os andaimes. O camaleão bota a sua farda verde e cinza e destila a paisagem no bico de uma flauta.

A minha voz molhada pinga de uma árvore. É cor da terra e vai caindo de manso.

*

No jamelão, a cigarra queima a tarde. As maracanãs desenham a paisagem de vaias verdes. A mula baia se coça na peroba; o pau d’arco pelado instiga a sede.

A semente amadurece na boca.

O cachorro fuça o chão da invernada, a jaguatirica cisca, observa de banda. A cascavel deixa a casca ao pé do coqueiro, deixa os guizos na minha mão de menino.

A paisagem de ontem era um cacto ao sol. Eu plantei a semente com uma palavra, as vaias verdes das maracanãs nos meus olhos. Eu entardeço com a cigarra na língua.
             
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