quinta-feira, 22 de setembro de 2022

A árvore

 

                        Homenagem ao Dia da Árvore:
 
                                       

A árvore

  

A árvore abre os braços para o céu. A brisa da madrugada acaricia as suas folhas, que tremem ao sol. Pássaros cantam nos seus galhos, numa algazarra, anunciando o dia.

Escorre do seu tronco uma resina amarela como ouro. Abelhas revoluteiam, fizeram a sua cachopa também no tronco da árvore. Parasitas sugam ali o seu quinhão de vida, oferecem em paga suas flores lívidas.

 As suas grossas raízes mostram-se para acima da terra, são abrigo para um ouriço e uma cascavel. O ouriço deixou suas farpas venenosas no focinho do cachorro, que gane desesperado. A cascavel deixou seus guizos de presente para o menino sonhador que vem brincar ali entre aquelas raízes.

Cavalos dormem sob a árvore, um velho burro vem ali descansar com frequência. As vacas se coçam no tronco nodoso e mugem de prazer.

Raios de sol caem da sua ramagem filigranados. A luz é uma festa e dança no ar com as folhas douradas saudando o milagre da vida.

Os meninos passam apressados a caminho da escola da vida. Os espinhos de um cacto previnem e protegem. 

 

 

segunda-feira, 12 de setembro de 2022

O barão

 


O barão

 

O homem entrou no bar, foi direto à lixeira, abaixou-se e passou a escolher com presteza os alimentos ainda não estragados, pedaços de coxinha, de quibe, de pastel. Abaixou-se com uma certa dignidade, com nobreza.

Não é à toa que eu o chamei de “barão”. Tinha um porte altivo, vestido no seu longo sobretudo – e era tempo de calor, mas o sobretudo fazia parte de sua indumentária de um ser superior. Não importava um ou outro rasgo, uma ou outra mancha de sujeira: quem o vestia era um ser especial, acima do comum dos mortais.

Eu me lembrei do “bicho” de Manuel Bandeira, que era um homem. O meu barão não lembrava um bicho, nem um simples homem, mas alguém acima do comum dos mortais. Tinha orgulho o barão, tinha orgulho de sua condição humana.

Que circunstâncias da vida o tinham levado àquela decadência? Não, não, mil vezes não. Ali não havia nenhuma decadência. Decaídos éramos nós que o observávamos, que tínhamos vergonha de o observar. Como poderíamos olhar do alto quem estava acima de nós? Olhávamos como se por uma graça especial, de nossa decaída condição. Um homem.

Um homem é aquele ser que tem orgulho de sua condição. Posso assegurar que o Barão tinha a nobreza desse orgulho. Os políticos que se humilhem com a própria cegueira, os poderosos que se rebaixem com a sua própria insignificância.

O Barão, meus senhores, é um homem. 





terça-feira, 6 de setembro de 2022

Conversa de surdos

 


Conversa de surdos

 

 

Meu pai contava este chiste. A graça era repetir duas, três vezes. Meu pai era um homem sério, ninguém esperava que contasse piadas, nem uma piada inocente como esta. Não é à toa que dizem que o humorista é uma pessoa séria, quando não triste mesmo. No entanto, contar piadas é uma arte. A graça viria do inusitado – nunca se esperaria de tal pessoa tal comportamento.

 

É preciso ter timing para escrever um poema. É preciso ter timing para contar uma piada. Ele tinha. Há uma medida interior que só o poeta ou o humorista têm.

            Ouçam. Dois amigos se encontram e dialogam:

 

– Vais pescar?

– Sim, vou pescar.

– Ah, pensava que ias pescar.

 

Uma pequena pausa e continua:

 

– Vais pescar?

– Sim, vou pescar.

– Ah, pensava que ias pescar.

 

Depois de outra pausa:

 

– Vou pescar.

– Ah, pensava que ias pescar.