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Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Tenho hábitos noturnos. Portanto, o meu dia começa
tarde. Apesar disso, quando desperto as ideias estão mais claras para ler e escrever.
Revejo o trabalho do dia anterior, agora com espírito mais crítico. Se tiver
algum texto programado para escrever, é a melhor hora.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual
de preparação para a escrita?
Já disse que ao despertar as ideias
estão mais claras, mas não tenho nenhum horário de preferência. Antigamente,
havia escritores que apontavam os lápis, deixavam os cadernos organizados, etc.
Hoje, isso não faz mais sentido. No meu caso, quando tiver disposição para
escrever, é pegar e escrever. No dia seguinte, e principalmente nos dias
seguintes, é ver o que deu e reescrever infindavelmente.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você
tem uma meta de escrita diária?
Como não me considero escritor, apesar
de ser autor de várias obras (escritor é quem vive de escrever, eu apenas
publiquei oito livros de poesia e um de crônicas, além de ter escrito dois
romances, um publicado online, e três livros de contos, também um publicado
online), não me sinto compromissado com trabalhar com horário marcado ou me
impor uma meta.
Há mais de cinquenta anos ouço dizer
que o escritor deve escrever todos os dias – o famoso “nulla dies sine linea” –
e acho isso, por um lado interessante, por outro impossível. Só será possível
se considerar que em todas as horas do dia estou trabalhando, não só
planejando, elaborando algo mentalmente, mas vivendo. Admiro escritores – um
Valéry, por exemplo, que ficou vinte anos cuidando de outros assuntos – que
passaram anos sem escrever e depois voltaram a toda brida. Eu nunca me afastei
muito da escrita.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas
suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
Gosto de pensar que não tenho processo
de escrita, como se fosse bonito isso. Apenas sou desorganizado. A minha
desorganização é o meu processo. Canso de ler ou ouvir escritores contando que
sempre andam com um caderninho anotando ideias que tiveram ou ouviram, imagens,
frases, para não se esquecerem. Para mim, o que foi esquecido não valia a pena
mesmo. Além de deixar que a memória, quando houver algum lapso, exerça a sua
função criativa preenchendo-o com a imaginação.
Devo dizer ainda que planejo os meus
poemas, ou outros textos, por vários dias – ou meses, ou anos – e depois
retomo-os como se fossem uma ideia nova. Muitas vezes escrevo vários
fragmentos, para posteriormente montar um texto com eles.
Se é difícil começar? Sempre é – até
penso em dizer que a procrastinação é quase um método de trabalho para mim.
Esqueço o texto planejado, até que um dia surge como se fosse do nada – como se
não estivesse planejado.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo
de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos
longos?
Já disse que a procrastinação é quase um método de
trabalho para mim.
Outras travas? É famoso o branco dos escritores.
Como não tenho que me preocupar com prazo de entrega dos trabalhos, fico
sossegado. Vou tomando notas, até que tenha o suficiente para montar um texto.
Quanto a corresponder à expectativa, gosto de lembrar de Marguerite Duras que
dizia que um bom motivo para escrever é a curiosidade de ver como ficará o
texto planejado. Um texto nunca corresponde à expectativa, mas é muito
interessante e instigador imaginar como ficará depois de escrito.
Ansiedade de trabalhar em projetos longos? Talvez
seja tanta que quase nunca trabalhei em projetos longos. O quase vai por conta
dos dois romances que escrevi, depois de adiá-los por vários anos.
Luís Fernando Veríssimo dizia que a maior
inspiração de um escritor é o prazo. Isso é verdade para cronistas, como ele.
Ou quando o escritor tem um trabalho de encomenda. Há casos de muitos
escritores que escreveram pressionados pelo prazo. É famoso o caso de
Dostoievski que escreveu “O jogador” em 28 dias, para pagar dívidas de jogo.
Georges Simenon dizia escrever um romance em onze dias, o que é extraordinário.
Como eu não trabalho com prazos, não posso ter essa
bela inspiração. (Trabalhei para um jornal por um ano, escrevendo duas crônicas
e um editorial por semana, até que o sindicato dos jornalistas fez com que me
demitissem, por não ter diploma. Dava aulas de manhã e à noite, à tarde
escrevia. Levava uma hora selecionando um tema e outra hora para redigir, além
de gastar mais uma outra para levar o texto ao jornal – eram os belos e duros
tempos antes do computador e da internet. Sim. O prazo funcionava. Tenho a
impressão de que nunca escrevi com tanta facilidade.)
Na inspiração, de que falam tanto, das musas ou do
Espírito, eu não acredito. Sempre pensei em planejar um texto. Às vezes uma
ideia me vem sem explicação aparente, mas não chamo a isso de inspiração.
Clarice Lispector dizia que o ato de escrever a inspirava. Acho que é a melhor
explicação.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão
prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Nunca sinto que meus textos estão prontos. Borges
dizia que publicava para parar de rescrever seus textos, embora, quando havia
outra edição, costumava reescrever mais uma vez.
Mostro meus textos apenas à minha mulher, a única
pessoa capaz e sincera o bastante para me dizer que um texto é ruim, ou uma
passagem, uma frase. Os amigos costumam querer apenas agradar. Ela é uma
crítica implacável.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros
rascunhos à mão ou no computador?
Escrevo meus textos diretamente no computador. É
mais prático, pode-se mexer infindavelmente no texto. Mas às vezes faço um
rascunho num caderno. É interessante ver como ficará o texto, quase ilegível em
meus garranchos, “em letra de fôrma”.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para
se manter criativo?
Não tenho conjunto de hábitos. As minhas ideias vêm
de minhas leituras, do que ouço e depois fico ruminando, de uma frase, uma
imagem, uma foto. Muitos poemas meus vieram de fotos que tirei, ou que vi, como
um que escrevi hoje, que veio da foto de um coração que o tempo esculpiu num
muro e eu fotografei, há vários anos.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos?
O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros
textos?
A minha formação literária é a leitura
de Drummond e Murilo Mendes. Mesma coisa que João Cabral. Os poetas da minha
geração – cronologicamente, a chamada Geração Marginal – também tinham ou têm
Drummond por base, apesar da queda por Oswald de Andrade. Também vejo com muita
satisfação que os poetas jovens de hoje, os poetas na faixa dos 40 anos de
idade, pouco mais ou menos, também têm Drummond como referência.
Talvez dissesse ao jovem que eu fui que se solte
mais, que seja ele mesmo, não ouça conselhos, inclusive este que acabo de lhe
dar.
É muito importante uma orientação no princípio, mas
o problema é essa orientação se tornar regra.
Aprendi que o pior de tudo é ter um só caminho.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro
você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Sempre tenho vontade de dizer que não tenho nenhum
projeto, mas, sim, tenho um romance planejado. Talvez quando, por um mero
acaso, me bater uma ideia de como realizá-lo, eu o realize. Talvez escrevê-lo
como puro nonsense. No momento somente o nonsense justifica escrever um romance,
para mim. Talvez como os de Campos de Carvalho.
Tenho alguns contos planejados. Tenho uma história
infanto-juvenil que eu gostaria de ver escrita. Mas sou preguiçoso, e fico com
meus poemas. Mário de Andrade, que pode ser acusado de tudo, menos de
preguiçoso, disse uma vez que escrevia poesia por preguiça. E ele sabia que a
poesia dá muito trabalho.
Que livro gostaria de ler e ainda não existe? Talvez
nenhum. Sei que gostaria de reler, reler muito. As sensações de uma obra de
arte essencial – e são tantas – têm um apelo irresistível.