numa mancha de óleo na água.
A lua chora no alto.
Amar o sol
Amar o sol sem esperança
amar a pedra sem esperança
amar o precipício sem esperança
depois mergulhar no azul
depois ignorar toda vertigem
depois voar como um morto
a vida é bela como um girassol
a vida é mais bela do que uma palavra
a vida é mais bela do que um anzol
a poesia não pode ser levada a sério
a poesia no bolso ou nas unhas
a poesia como um copo velho
José Brandão 2012
Gênese
No princípio era o mato
o meu pai reinava
sobre os bois e as vacas
o café o milho e o pasto
Eu olhava as estrelas
no alto dos coqueiros
os coquinhos em fogo
caindo no pasto
Como era grande o mundo
visto aqui de baixo
à sombra da figueira
sob as raízes amorosas
Eu ouvia o silêncio
no pisca-pisca do pirilampo
sob o manto imenso
do escuro quieto
Deus morava comigo
eu sonhava Deus no mato
sonhava Deus no pasto
minha mãe na porta de casa
Eu tinha os sete sentidos
na ponta da língua
nem era preciso
aprender a alegria
História
Eu já fui uma criança feliz
sem ideais
nem palavras
ou outros acessórios
As árvores me bastavam
os galhos e os troncos carregados
de pássaros e de jabuticabas
O jardim em frente de casa
tinha todas as flores
minhocas lagartos e lagartixas
Eu tinha um cavalo alazão
tinha até um unicórnio
rodeado de mil borboletas
De repente fiquei sábio como o orvalho
sobre o estrume no pasto das vacas
como se eu conhecesse o mistério
de Deus e do universo agrário
Tudo era agrário naquele tempo
tudo deveria ser ágrafo naquele tempo
quando nem o tempo existia
Meu pai fazia vassouras na cozinha
contando histórias do novelo da memória
com a sabedoria dos velhos patriarcas
Minha mãe tinha uma arca de costura
costurava os caminhos da vida
com a diligência de uma profetisa
Um dia acordei fora de casa
fora de qualquer espelho
ainda inundado de luz
mas cego
um cego guiado por um cachorro cego