O uirapuru é pássaro esquisito,
por exilar-se no seu próprio canto.
O seu voo com as árvores confunde-se,
o canto é o que fica do que passa.
Esse pássaro, como o conhecemos,
a sua imagem rara, quase mítica,
nasce do canto e perde-se no canto
e é memória do canto nunca findo.
O uirapuru disfarça-se de flor,
com pétalas douradas e uma estrela
no cinzento das costas, um sol lírico,
em sua concha cria a luz da dor.
O uirapuru se inclina para o rio:
é a pérola oculta na paisagem
e embala o silêncio da prata d’água,
fechando e abrindo o dia com seu canto.
__________
Quando eu
iniciei o ginásio (há uns longínquos cinquentas anos), no livro de Português. havia um soneto de Humberto de Campos,
“O uirapuru”. Havia algo de... poético, nesse soneto, que descobri que quase o sabia de cor ainda hoje:
"Dizem que o Uirapuru, quando desata
A voz, Orfeu do seringal tranqüilo
O passaredo, rápido, a segui-lo
Em derredor agrupa-se na mata.
Quando o canto, veloz, muda em cascata
Tudo se queda, comovido a ouvi-lo:
O mais nobre sabiá surta a sonata
O canário menor cessa o pipilo.
Eu próprio sei quanto esse canto é suave
O que, porém, me faz cismar bem fundo
Não é, por si, o alto poder dessa ave.
O que mais no fenômeno me espanta
É ainda existir um pássaro no mundo
Que fique a escutar quando outro canta!"
Como eu estava escrevendo o meu “Livro dos bichos”,
pesquisei e soube que o uirapuru é um pouco diferente da lenda e desse soneto. Então, escrevi o poema acima.