A idéia não é nova, mas este texto é sobre isso mesmo: Não há idéias novas. Nada se cria, tudo se copia – já dizia Chacrinha, o gênio da televisão. Vejam: o assunto é tão banal que é preciso citar gente banal.
Não que eu menospreze Chacrinha. Digo o que ele gostaria que dissessem dele: que não é intelectual, mas povo. Portanto, banal. O povo – preciso dizer? – não se diminui por ser banal. É um organismo vivo, não uma abstração. Banal, cabal.
Vou fazer também uma releitura de Lavoisier: Na arte nada se perde, tudo se transforma? Não: Tudo se come. É a Antropofagia de Oswald de Andrade: Tudo se come, se copia, e, assim, entra velho – sai novo.
Camões copiou “Sôbolos rios que vão...” de São João da Cruz, grandíssimo poeta seu contemporâneo, além de santo. Não ao pé da letra: deu-lhe o toque camoniano. “Sôbolos rios...” tem todo o sabor camoniano, apesar de nascer de outra mente e coração.
Como “Alma minha gentil...” nasceu do estro de Lope de Vega, para a obscuridade das excelentes obras perdidas nos desvãos do tempo, não fosse Camões se apropriar dela, degluti-la, fazê-la sua. Um poema delicadíssimo sobre o amor perdido. Um poema conhecidíssimo de todos nós graças a Camões, que a tirou do limbo para a glória.
Camões virou Vergílio do avesso, tomou o seu “arma virumque cano” e tornou-o “as armas e os barões assinalados”, tomou a história de Roma e cantou a história de Portugal. Foi só um ponto de partida, mas devorando a Eneida para parir Os Lusíadas.
Hoje damos esses nomes elegantes – intertextualidade, diálogo com outras obras, citações – a processos antigamente naturais, mas que há pouco eram puro plágio, roubo, crime intelectual.
A arte, afinal, nasceu anônima. Era propriedade humana. Existia para ser fruída pelo homem. Não importava quem tinha feito. Por isso a dúvida se Homero teria existido, embora alguém certamente tenha escrito as histórias fabulosas que aquele cego cantava de cidade em cidade.
Até de Shakespeare, muito mais próximo de nós, há gente que chegou a negar-lhe a existência. Claro que alguém escreveu aquelas peças essenciais que elevaram a literatura a seu nível mais alto, mas ainda se questiona: Quem foi Shakespeare? Teria um outro nome?
Cervantes, seu contemporâneo, chega a brincar com essa história de autoria. No segundo volume do seu Quixote, inventa um árabe que teria escrito as aventuras do fidalgo nascido num lugar da Mancha e seu escudeiro Sancho Pança, dizendo ser ele mesmo, o autor, apenas um tradutor.
Hoje, com a Internet, embaralha-se outra vez a questão da autoria. Não se sabe mais quem é quem, vivemos num mundo virtual em que, virtualmente, tudo é de todo mundo.
Os antigos praticavam a intertextualidade – com uma certa antropofagia oswaldiana – a seu bel prazer, sem citar os nomes das obras ou autores citados, como uma homenagem, estaria firmado um acordo de cavalheiros do espírito de que todos sabiam a propriedade da obra copiada com engenho e arte, para se tornar nova e com nova autoria.
Depois, banalizou-se o processo e surgiu o problema do plágio, como crime.
Hoje o autor é ninguém, uma entidade virtual, portanto inexistente na vida real. Embaralham-se os autores, cita-se uma obra atribuindo-se sua propriedade intelectual a esse ou aquele aleatoriamente, tanto faz, ninguém é ninguém.
Voltaremos ao estágio primitivo em que a arte não tinha dono, era criada para a fruição estética de todos, para o prazer, a elevação do homem? Não se criava por dinheiro, fama, nem por nenhum motivo torpe ou nobre que foi surgindo ao longo dos séculos. O criador era, como diria Borges, um amanuense do Espírito.
Quem dera estivéssemos regredindo a esse mundo ideal...
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