domingo, 1 de abril de 2012

O UIRAPURU



O uirapuru é pássaro esquisito,
por exilar-se no seu próprio canto.
O seu voo com as árvores confunde-se,
o canto é o que fica do que passa.

Esse pássaro, como o conhecemos,
a sua imagem rara, quase mítica,
nasce do canto e perde-se no canto
e é memória do canto nunca findo.

O uirapuru disfarça-se de flor,
com pétalas douradas e uma estrela
no cinzento das costas, um sol lírico,
em sua concha cria a luz da dor.

O uirapuru se inclina para o rio:
é a pérola oculta na paisagem
e embala o silêncio da prata d’água,
fechando e abrindo o dia com seu canto.



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Quando eu iniciei o ginásio (há uns longínquos cinquentas anos), no livro de Português. havia um soneto de Humberto de Campos, “O uirapuru”. Havia algo de... poético, nesse soneto, que descobri que quase o sabia de cor ainda hoje: 

 
"Dizem que o Uirapuru, quando desata
A voz, Orfeu do seringal tranqüilo
O passaredo, rápido, a segui-lo
Em derredor agrupa-se na mata.

Quando o canto, veloz, muda em cascata
Tudo se queda, comovido a ouvi-lo:
O mais nobre sabiá surta a sonata
O canário menor cessa o pipilo.

Eu próprio sei quanto esse canto é suave
O que, porém, me faz cismar bem fundo
Não é, por si, o alto poder dessa ave.

O que mais no fenômeno me espanta
É ainda existir um pássaro no mundo
Que fique a escutar quando outro canta!"


Como eu estava escrevendo o meu “Livro dos bichos”, pesquisei e soube que o uirapuru é um pouco diferente da lenda e desse soneto. Então, escrevi o poema acima.





4 comentários:

rosa-branca disse...

Lindo seu poema e lindo o soneto. Quanto a essa ave desconheço completamente a sua lenda. Beijos com carinho

Unknown disse...

Maravilhoso!

Poema e soneto. Lembro que Luis Gonzaga cantava "o uirapuru quando "fulora na seca, é sinal que a chyva chega no sertão". No caso ele devia estar falando de uma flor.

Bonito de mais!

Beijos

Mirze

Jailda Galvão Aires disse...

Identifiquei-me muito ao ler o seu comentário sob o soneto “O uirapuru” do Humberto de Campos. Sempre tive o mesmo sentimento quando no "GINÁSIO" o li e também o decorei. Imaginava um orador diante de uma plateia imensa em silêncio total, hipnotizada pelo teor das palavras, e a suavidade delas. Lembro-me do Professor Plínio de Almeida um dos maiores oradores que a Bahia já teve. Era uma das que entrava em alfa. 1960/70. No momento atual aponto com carinho o sempre Ministro Ayres Britto.
Amei o seu poema tão bonito quanto o do nosso poeta Humberto de Campos. Parabéns mesmo.

Euclides da Cunha disse...

Mandacaru quando fulora na seca, nunca
Uirapuru