domingo, 18 de outubro de 2009
No teatro da vida
17.
Apoiei a cabeça na pedra e dormi.
Sonhei com os mortos construindo uma casa,
os ossos eram flautas e harpas ao vento.
A pedra pulsava em silêncio como uma alma.
18.
A morte entrou no sonho das crianças.
Tinha leite materno, cantava suavemente,
penteava as bonecas e os cachorrinhos empalhados.
As crianças choravam com um sorriso feliz.
19.
A água existe antes do homem.
A claridade da água é como o sol,
a areia e as pedras brilham no fundo.
Você pensa no suicídio, nesse espelho.
20.
No teatro da vida, a morte joga cartas.
Tem naipes de paus nos dedos ossudos,
olha com cobiça os teus ases de ouro.
De repente, o teu coração sangra ao sol.
21.
Somos uma raça antiquíssima, sem face e sem nome.
Os grandes navios assolam-nos no mar do tempo.
As coisas nos limitam, nossa linha de giz.
Na praia indecisa plantamos nossa bandeira.
22.
Onde quer que estejamos, somos estrangeiros.
Qual é o nosso escudo? Qual destino é o nosso?
Ninguém entende nossas palavras, ou nosso Deus.
Somos o âmbar lançado à praia pelo mar.
23.
Eu andei nas falésias do Beberibe,
deixei a marca dos meus pés na areia colorida.
De dentro das grutas gotejantes,
contemplei o céu azul de Deus.
24.
O meu olhar vazio, sem relíquias.
Sou um homem estúpido que perdeu o pai.
Secaram as árvores do meu pulmão,
as minhas palavras são pássaros de pedra.
______________
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11 comentários:
São quadras belíssimas, José. Gostei muito da .20., o teatro da vida, mas também adorei o verso "as minhas palavras são pássaros de pedra."____ lindo.
Um beijo com carinho para o teu domingo.
Adorei a imagem de "A pedra pulsava em silêncio como uma alma."
Gostei dos demais tb.
Um bjo, poeta. Boa semana.
"as minhas palavras são pássaros de pedra." um achado isso aqui. Esses poemas seus impressionam pela densidade poética. Você está inspirado demais, heim? Beijos.
Boa tarde, Brandão, puxa, puxa, puxa, que quadras belíssimas, nossa, impressionantes a riqueza, a densidade, e ainda a leveza delas. Esta primeira:
APOIEI A CABEÇA
Apoiei a cabeça na pedra e dormi.
Sonhei com os mortos construindo uma casa,
os ossos eram flautas e harpas ao vento.
A pedra pulsava em silêncio como uma alma.
Maravilha. Que linguagem linda, 'sonhei com os mortos construindo uma casa, os ossos eram flautas e harpas ao vento...'
Uma invejinha, meu amigo, rs.... por versos tão bonitos.
Ah, aproveitei que vc falou em Dante outro dia e fiz uma despretensiosa descrição para a imagem dos cães que coloquei no blog hoje.
Olha, temos a contrapartida do ódio também, porém o ódio não deixa de ser um amor rachado, magoado, mal resolvido.
Grande abraço, meu caríssimo amigo. Parabéns pela beleza dos versos.
José,
já estou conseguindo fazer uns versinhos bem bonitinhos. Não chegam nem próximos da beleza dos seus, mas sempre venho aqui aprender.
Bjs querido amigo.
Sendo assim acho que vou deixar minha parca poesia de lado, muito boa safra, escreveu poemas que eu queria ter escrito, ou deveria não sei.
a pedra canto o hino dos mortos
e de minha tíbia
faz uma flauta
o poeta encantou os meus dedos
pendurei um osso na orelha
a poesia agora sussurra
como a chuva
Um pássaro ferido ainda tem vontade de cantar!
Boa semana!
Ah José...
Passa da serenidade para o impacto da dor.
Viagens em seus poemas!
beijo
Acordamos na hora de dormir
De conchinha com o sonho...
De perder o fôlego, Brandão. São poemas do livro novo?
Gostei especialmente do 22. Sinto este sangue estrangeiro correndo nas veias. As árvores secas do pulmão, e o pássaro de pedra, me fizeram lembrar meu pai...
Beijos
José Carlos,
No jogo disposto em
mesa sagrada:
canastra!
Abração,
Marcelo.
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