terça-feira, 20 de outubro de 2009

Êxtase e dor




3.

A primavera sente a dor do tempo,
as pétalas e os pistilos estragados,
a cor rosa desbotando-se, suja,
é a face da beleza que sofre e morre.


5.

Um cálice de vinho basta para o êxtase.
O carvalho vestiu-se de verde e prata.
Plantei sementes de palavras na terra arada,
um menino nasceu nas asas de um pássaro.


1.

O velho, imóvel, tecia a sua rede.
Imóvel, apenas os dedos se mexiam.
Uma membrana nevoenta lhe cobria os olhos.
O menino erguia o véu do mistério da vida.


7.

Um albatroz voava no alto do céu límpido.
Havia um corpo morto largado na praia.
Iam e vinham as ondas que o trouxeram.
Os olhos parados refletiam o calmo azul.


9.

Passa a nuvem branca pelo céu azul
desenhando os seus animais delicados.
Ensina que a vida é passar, na altura,
como os animais, ruminando a paisagem.


6.

Os castelos de pedra coroam o céu do sertão.
As araras devoram o pequi ou as espigas de milho.
Os urubus-rei se escondem nos buracos da serra.
A vida prossegue no equilíbrio natural das coisas.


4.

A escuridão está sob os meus pés,
e acima do céu, sobre as asas dos ventos,
e se esconde na água tenebrosa do mar.
Sou nada. Estou pronto para Deus.


8.

Escrever é um testemunho da alegria.
A vida vale a pena quando abrimos os olhos
para o mundo e vemos, por baixo do pano, Deus.
De dentro do caramujo a lesma bebe o sol.


2.

O teu corpo sobre o lençol de rosas,
as pétalas de sangue na sombra do lago.
O sol gira no céu azul-metálico,
o êxtase de uma abelha coroa-te de ouro.

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11 comentários:

Sueli Maia (Mai) disse...

Incrível como o olhar humano só percebe o amanhã e a morte, não? Porque quando vemos uma flor aberta não pensamos em vida, na vida que ali fez desabrochar a flor, não é? Primavera vida, flor, cores. Que por segundos é VIDA e só depois vai fenecendo.
Incrível este teu poema fala disto, né?
Hoje é primavera e já pensamos na morte das flores...
Há poucos dias um amigo fez uma brincadeira comigo e me perguntou em que eu pensava quando via uma flor abrindo. Respondí VIDA e ele disse: - mentira, ninguém pensa em vida quando vê uma flor, apenas em morte...
E agora lí isto em teu poema e a menos que eu esteja equivocada, me dei conta de que devo ser minoria.
Adoro os cachos de buguenvile e, mesmo quando caem as flores, eles dão vida ao chão colorindo um belíssimo tapete com pétalas ao chão.

Abraços, amigo.

romério rômulo disse...

josé carlos brandão:
agradeço o seu comentário na nydia.
romério

Adriana Godoy disse...

JC, de tão lindo faz chorar! Esse conjunto de quartetos sobressai pela beleza e pelas mensagens tão intensas. Às vezes penso que deus existe mesmo. Beijo.

Luma Rosa disse...

Eita! Estou aqui lendo essa frase na camiseta :(

BAR DO BARDO disse...

"Sou nada. Estou pronto para Deus."

Ai, ai...

Graça disse...

Cada estrofe tua é uma homenagem ao saber dizer poético. Gostei. Tanto.

Beijos meus.

Pedro Luso de Carvalho disse...

Caro Brandão,

Dentre esses inspirados poemas, destaco um, que me fez lembrar a vida no campo, na minha distante infância, quando acompanhava animais e pessoas desenhados nas nuvens:


"Passa a nuvem branca pelo céu azul
desenhando os seus animais delicados.
Ensina que a vida é passar, na altura,
como os animais, ruminando a paisagem."

Um abraço,
Pedro.

Sonia Schmorantz disse...

Lindos quartetos, gosto muito de ler esta visão que tens de tudo.
Um abraço

EDUARDO POISL disse...

Parabéns, teus quartetos me fez viajar nos bons tempos obrigado.
Abraços

Fernando Campanella disse...

Um menino erguia o véu do mistério da vida.... E o menino fez do mistério toda poesia.
Muito boas as quadras, Brandão, captando no mínimo o mistério-êxtase de viver. Grande abraço.

Eliana Mora [El] disse...

o 'outro lado' da agonia
o êxtase de entender o poeta,
a natureza nele


beijo,
El