quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

A pedra da memória

Rio Tietê, com olarias ao fundo, visto da Ponte Campos Salles, a "Ponte Velha"
ou "Ponte de Ferro", entre Barra Bonita e Igaraçu do Tietê, SP.




                               
A PEDRA DA MEMÓRIA


Plantei a pedra da memória na montanha.
Passei por aqui, neste lugar morreram
os meus pais, meus irmãos, meus avós.
Este é o tempo do infortúnio.
Jejuei na gruta do abandono
com os morcegos e as traças.

Os meus pés amassavam a argila de Deus.
Os meus dedos iriam, um dia, moldar a argila
em forma de cântaros preciosos.
Os meus lábios lhe iriam dar vida
com o sopro do verbo.
O verbo de Deus sopraria dos meus lábios
e os cântaros cantariam a música do eterno.

As cidades miseráveis do homem.
Os labirintos de cifras das cidades do homem
edificadas sobre o farelo dos desejos.
As palavras são intermináveis e não dizem nada.
Os lábios não beijam,
as línguas estão secas da saliva do espírito.
Os corações não têm sangue, mas números.
Os livros contêm resultados, são a tumba do olvido.

Eu sou o filho pródigo, retorno à casa do Pai.
Os jornais recolhem os excrementos das moscas,
eu retorno à casa do Pai.
O povo delira sob a fuligem do céu,
sob os tetos de vidro e aço,
exposto ao sol negro, que queima a alma.
Eu volto derrotado à casa do Pai,
mas ainda tenho o verbo de Deus nos lábios.

Os espinhos perfuram os meus pés.
A urtiga dilacera a minha face.
Somente o verbo fala comigo.
Ouço, no vento que passa, a voz de Deus.
Não entendo o mistério, mas sei que ouço a voz de Deus.

Um pássaro voou da árvore de fogo,
pousou no meu ombro com as garras vermelhas,
cantou as sílabas do verbo, impronunciáveis.
Amei a beleza desse canto, decifrei seu enigma:
é a rosa, a essência da rosa, a face de Deus.

Prostrei-me diante do altar.
Voltei as costas aos ratos insaciáveis.
Sigo a estrela. A porta está aberta.
Carrego nos ombros os cântaros do verbo,
com a água límpida do espírito.




7 comentários:

Lídia Borges disse...

Lindo!

Como uma viagem às origens em busca da limpidez da água.

Um beijo

Unknown disse...

DIVINO!

Sempre achei que Deus encontrara um lugar onde a poesia mora e por onde Ele pode falar.

Grande responsabilidade, que o poeta cumpre com todos os méritos.

Um poema lindo demais para ser apenas humano.

Beijos, poeta!

Mirze

Jota Brasil disse...

O termo "poema humano" cai muito bem, pois trata-se exatamente isso. Um poema cheio de "agua e sangue"
Muito embora entenda também que o poema vai além da humanidade...

Graça Pereira disse...

"Ouço, no vento que passa, a voz de Deus.Não entendo o mistério, mas sei que ouço a voz de Deus."
Um poema que vai da terra ao céu!
Beijo e bom fds
Graça

Unknown disse...

Brandão!


Poesia de ouro
Seria o melhor presente
mas você já dá prá gente

fico assim sem saber
o que dizer: a não ser
PARABÉNS PRÁ VOCÊ!

FELICIDADES!!!!!!!

Que Deus esteja sempre aqui!

Beijos e FELIZ ANIVERSÁRIO!

MIRZE

Ira Buscacio disse...

Brandão, meu querido,

Que supremacia!
Uma belíssima oração. E quem não acredita que o poeta reza? Esse não faz poemas, mas semi-deuses!
Um lindo fds pra vc e sua família,
Bjão

El disse...

"jejuei na gruta do abandono com os morcegos e a traças" [...]

diria que se não tivesss=es um dia estado ali [nós] não haveria poemas assim

beijo.
El