sábado, 8 de janeiro de 2011

O gavião e a pomba




O GAVIÃO E A POMBA


O gavião grita no ar, mas não é o seu grito de alerta, vitória e domínio. É um grito de medo. Um bem-te-vi persegue-o, bica em desespero furioso o seu dorso, o pescoço, as asas frágeis.
O gavião carrega uma pomba nas garras, seu troféu, seu alimento. Voa no baixo, sem velocidade, é presa fácil de pássaros menores como o bem-te-vi. Foge de uma árvore a outra, não consegue esconder-se.
Logo mais dois, três bem-te-vis somam-se ao primeiro no ataque ao inimigo. O gavião larga a presa no meio da rua. Observo temeroso a pomba encolhida entre os carros, vítima do trânsito feroz.
O gavião busca abrigo na torre da igreja. Os desvalidos sempre procuraram refúgio na igreja. Hoje o gavião é um refugiado, e a igreja – a Igreja Santa Teresinha – há tempos é a morada de sua família.
Levo a pomba para casa. Sangra, as garras do gavião penetraram-lhe o corpinho delicado.  Pulsa, com um fio de vida, não deve resistir muito. Seguro-a com cuidado entre os dedos. A Sônia trata as suas feridas, aproxima-lhe pão embebido em leite do biquinho trêmulo.
A morte pinga dos seus olhinhos angustiados.
Ela dá duas bicadas fracas num pedaço de pão. Depois, pende a cabeça para o lado, deixa cair um último suspirozinho, e morre.
Enquanto escrevo, ainda ouço o grito do gavião. Mesmo quando o gavião tem a sua hora de fraqueza, e não pode fazer outra coisa a não ser fugir, mesmo assim tem as garras mortais.
A Sônia lembra a pombinha e, como se estivesse compondo um poema, entoa:
– Eu a alimentei com a morte.



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Esta é minha última crônica, de hoje. Tentei fazê-la pequena, de umas dez linhas. Precisei de três vezes mais.   

Há leitores que se confundem com o título deste blog. Como se a palavra "crônica" fosse adjetivo de "poesia" : a poesia quase como uma doença crônica - ou, vá lá, qualidade ou estado de espírito constande do autor. 

Não meus caros: Quem não me entendeu, desculpe-me. Este blog foi criado para postar crônicas e poemas. Principalmente crônicas. 

Depois, sentindo a dificuldade de se ler crônicas ou qualquer texto um pouco longo, num blog, fui deixando-as inéditas. Ou mesmo deixei de escrever. 


Era o mote que voltei a expor lá no cabeçalho: um registro do tempo que passa.


Esta crônica de hoje narra um fato que a Sônia já registrou em um poema, com a concisão lá dela. Está aqui, no nº 6 destas belas inscrições.

4 comentários:

chica disse...

Seja crônica ou poesia, sempre lindo por aqui...

è realmente difícil reduzir nossos textos,não? Quando deixamos os dedinhos clicarem solrtos, depois vamos cortando,rsrs...

abraços,tudo de bom,chica

Unknown disse...

José Carlos!

Linda crônica, onde o predador , esse sim, tem o poder sobre a presa, seu alimento.

Mas já que o exército de bem-te-vis o assustaram ela caiu nas melhores mãos.

No último momento, ao menos recebeu alimento e carinho.

Beijos, poeta!

Mirze

Anônimo disse...

Certas pessoas...
podem dizer muitas coisas.
Certos olhares...
podem valer mais do que mil palavras.
Certos momentos...
nos fazem esquecer que existe um mundo lá fora.
Certos gestos...
parecem sinais nos guiando pelo caminho.
Certos toques...
parecem estremecer todo o nosso coração.
Certos detalhes...
nos dão a certeza de que existem Pessoas Especiais,
assim como você, que deixarão belas
lembranças para todo o sempre.
Por isso estará sempre muito bem
guardado dentro do meu coração...
cercado do meu carinho,
tendo meus braços para te enlaçar sempre
num gostoso abraço
e poder desfrutar dos beijos meus!

Tenha um Lindo Dia!!!



Bjs.

Fernando Campanella disse...

Bom dia, Brandão. Passei por uma experiência semelhante, quando meu cão apanhou um filhote de pardal que estava no chão do pequeno jardim de minha casa. Fiquei bravo com meu animal, apanhei o filhote, tentei mentalizar, até mesmo fazer uma ligação espiritual para que sobrevivesse (que pretensão a Cristo, a minha :)), mas não adiantou. Dói ver toda beleza e delicadeza da vida, uma vida que se inaugura, assim destruída. O instinto é cruel aos olhos sensíveis, mas é a vida como ela é.
Abraços.