segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

As águas do eterno






AS ÁGUAS DO ETERNO

As águas correm, correm para sempre.
Sou só, sou a paisagem verde e Deus.
Uma garça branca pousa na margem do rio.
O sol pousa no horizonte vermelho.
Por que contemplar? Por que a luz, o êxtase?
Além do horizonte ergue-se um novo horizonte.

A árvore se transfigura, como Cristo.
A árvore sofre, agoniza, como Cristo.
Os frutos pendem da árvore, como pássaros maduros.
Colho os frutos e canto e conheço.
Como o sol, as águas correm para sempre.

A terra seca, o deserto onde não medra a semente.
Não edifico a minha casa nessa terra.
Este é o campo da penumbra.
Este é o campo da penúria, do silêncio seco de Deus.
Preciso de água para a minha argila.
Preciso de argila para o meu cântaro.
Preciso do cântaro para a minha face.
Modelo a minha face à imagem da face de Deus.
As águas correm para sempre.
Onde as águas que correm para sempre?

As vigas da minha casa estão podres.
Onde a palavra nova que sustente a minha casa?
Ouça o vento, que enferruja o arado.
Ouça o lamento dos sulcos, que esperam a semente.
Ouça a semente amarga florindo no meu túmulo.
As águas fluem, os horizontes fluem.
O pássaro e o trigo fluem, com a terra amarga.
No princípio era o verbo, eram os alvos lençóis.
No princípio eram as águas.
No princípio eram as garças brancas sobre as águas.
E as águas correm para sempre.



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 Foto na ponte sobre o rio Tietê, na divisa de Barra Bonita e Igaraçu do Tietê, onde passei os últimos anos da minha infância.

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5 comentários:

Sândrio cândido. disse...

Nas entrelinhas do poema pareço encontrar o mistíco que há em cada homem. que tem sede de algo que já não sabe o que e por isto corre como um rio a buscar, pois sabe que um dia será mar.

Fernando Campanella disse...

No princípio são as águas, são as garças, são as graças... no princípio é a memória, que tudo guarda, e anuncia.

Maravilha de poema, um olhar filosófico lindamente contaminado de poesia. Grande abraço, Brandão.

Unknown disse...

Que lindo poema!

"Sou só, sou a paisagem verde e Deus." "Este é o campo da penumbra, do silêncio seco de Deus"

Assim são as águas do Eterno!

DIVINO!

Parabéns, poeta!

Beijos

Mirze

Marcantonio disse...

Uma antífona solene e bela para a celebração das águas, as passadas e as que ainda hão de passar.

Abraço.

Pedro Luso de Carvalho disse...

É sempre muito bom passar pela POESIA CRÔNICA para ler os poemas do poeta Brandão, como é o caso de "As Águas do Eterno".

Grande abraço,
Pedro.