Elegia de inverno
ELEGIA DE INVERNO
Um espinho em cada pétala. Na memória,
as portas batem contra as palavras.
Quebram taças de magnólia
e ninhos de pardais inundados de luz.
Ouçam os jardins, o eco de um canteiro a outro
até à fonte do unicórnio.
Éramos felizes com os pés no chão,
sujos de terra e limo verde. Éramos eternos.
Quando se abriu a primeira porta.
Quando eu ouvi a voz do gavião.
O trovão ribombou de encosta a encosta.
Era Deus que me chamava.
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O arco-íris aceso na folhagem
de uma a outra árvore, de um a outro monte.
O gavião me enviou. Disse:
Quem vai matar as crianças?
Quem vai, depois, enterrar as crianças?
O riso, a alegria das crianças persiste até depois de mortas.
O cavalo persegue a sua forma.
O cavalo é Deus perseguindo a sua forma.
De argila moldo a minha face,
à espera de Deus.
Ouvi a música imóvel e o verbo.
Eu estava dentro do tempo
tateando as paredes úmidas do poço.
Contemplei o horizonte e me elevei em êxtase.
A rosa é frágil, não suporta o peso do céu.
É a âncora e o barco no mar.
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Veio a chuva, penetrou na casa
e na igreja. Já não sou sozinho.
Veio o sol, trouxe
a forma da beleza.
A permanência dentro da pedra.
A face flácida no espelho
e o diálogo dos fantasmas exilados.
O vento sopra no tempo.
Os caminhos povoados de gorjeios.
O espírito rejubila-se.
Os caminhos se movem.
O sino acordou a montanha.
O sol negro contra o girassol.
A dor das pedras nas lágrimas do crepúsculo.
As garças com a luz nas asas.
O mar se move.
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As palavras são o eixo do mundo.
A rosa é eterna.
As palavras não se cansam.
A música encontra a sua forma.
Deposito a música no cântaro e caminho.
A harpa se cala, a música permanece.
A palavra é tudo.
O deserto floresce.
Florescem os leões, as pedras, a areia.
Chegamos ao oásis para ficar.
Meu cavalo repousa à sombra.
Deus repousa à sombra.
A luz move o mar.
As estrelas gritam, as crianças gritam.
Ouço o grito das crianças
entre as pedras, os pássaros e as palavras.
(2007)
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5 comentários:
... então os fantasmas se apavoraram:
"Meu cavalo repousa à sombra.
Deus repousa à sombra."
Lindeza, Brandão!
Ouço os gritos das crianças, mesmo daquelas que já se foram. Porque as palavras... Ah, as palavras são mesmo eternas. Ficam pra sempre.
Beijos
Carla
a palavra que vira música de vida :)
beijos!
Poeta
Adorei o poema, adoro a sua maneira de escrever.
A permanência dentro da pedra.
A face flácida no espelho
e o diálogo dos fantasmas exilados.
O vento sopra no tempo.
Diz tanto...
Beijinhos com carinho
Sonhadora
José Carlos!
Um dos mais belos poemas que li, reli e percebi que suas palavras tem a inspiração divina!
Parabéns, poeta!
Beijos
Mirze
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