quinta-feira, 5 de novembro de 2009

O emparedado



Eu sempre calado
entre estranhos dobres.
Eis-me limitado
por estanho e cobre.
Eis-me emparedado
no meu quarto pobre.
Ainda mais me calo,
por mais que me dobres.
Sempre o mesmo avaro,
por mais que me cobres.

Parco de palavras
e outros marcos úteis.
Nessas minhas lavras,
sempre mais inúteis.
Memórias escravas,
minhas cobras fúteis.
Meus anjos de lavas,
trevas, barros súteis.
Eis-me em lande escassa:
longe, as formas dúcteis.

Esse o meu destino.
Moldar a estrutura
de encruados mitos.
Na pedra mais dura
forjar um estilo
de vaga ventura.
Nesta arte prossigo,
hera de ternura.
Neste brando rito,
palavra mais pura.

Do quarto as paredes
a pele do corpo.
Isolam as sedes
deste vário horto,
lançadas as redes
onde tudo é morto.
Onde eram as lendas
é um olho torto.
Por que se desvendem
as vozes do orco.

E o que era talvez
um menino antigo
finda-se de vez.
Desse mito findo
o muro de pez
e íntimo granito.
Dessa viuvez
no verbo falido.

– Um poema não lês,
não se lê o olvido.

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Tempo de memória. Não mudei muito: penso que este poema já velho (in O Emparedado, Companhia Editora Americana, Rio, 1975) ainda me define.

A foto é da Sônia.
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12 comentários:

Talita Prates disse...

E há poema "velho"?!

Primorosos, poema e definição.

Um bjo!

nydia bonetti disse...

Que rítmo!

BAR DO BARDO disse...

Já era bom. Permanece...

Sonhadora (Rosa Maria) disse...

Lindo Poema
Um abraço

Cris Animal disse...

Oi Poeta !
Começando pelo final: " a foto é da Sônia".....rs
Ela transforma rocha em poesia num simples "clic" !!!!!

Falar de vc? Quem ousa?

José Querido, essa sua poesia é a voz de almas vivas em um mundo morto. É a beleza abundante que escorre além de quatro paredes, além de rochas e limites em um universo que a alma é cega e não consegue vislumbrar nem mesmo a maior de todas as maravilhas.
É a tradução de quem tem olhos, de quem tem alma e sente o que a humanidade já passa impune por não querer e nem mais poder sentir e viver!
Faz pensar que o tempo não muda. talvez, esteja mudando a frieza dos corações.


Agora, nossa linda "ainda" Amazônia estará muito em breve legalmente aberta para a destruição...e eu choro!

Beijo grande pra vc, Poeta!

Anônimo disse...

Muito bom mesmo!
Bjs.

Lídia Borges disse...

Como se o poeta, preso em si ansiasse "saltar o muro" e percorrer caminhos de liberdade.

Sim, os poemas não têm idade!


L.B.

Sonia Schmorantz disse...

Emparedado dentro de um poema, todos os sentimentos humanos de impotência diante do tempo, que desgasta, consome...
Um abraço, ótimo fim de semana

nydia bonetti disse...

Baixei o Silêncio de Deus. Que maravilha, Brandão. E que generosidade a tua.

os olhos de Deus
nos olhos do poeta
refletem em nossos olhos

Beijo

EDUARDO POISL disse...

Hoje passando para te ler e desejar um lindo final de semana com muito amor e carinho

"É melhor tentar e falhar, que preocupar-se e ver a vida passar.
É melhor tentar, ainda que em vão, que sentar-se fazendo nada até o final.
Eu prefiro na chuva caminhar, que em dias tristes em casa me esconder.
Prefiro ser feliz, embora louco, que em conformidade viver..."
Martin Luther King

Abraços com todo meu carinho

Carla Silva disse...

Olá, gosto muito da sua página, da sua poesia. Parabéns!Como se costuma dizer, quando for grande quero ser assim!...
Muito obrigada pelo comentário no meu perfil. De facto, José Régio é inesquecível, tal como o fado.
Bjs

TIEPO disse...

O EMPAREDADO segue sendo meu livro de poema de cabeceira! Aprendi e aprendo mto com seus versos! Definição primorosa de si! felicitaciones amigo!