terça-feira, 17 de novembro de 2009

A história de Ruth e O cavalo de pedra




168.

Ruth, a moabita, descobriu os pés de Booz
e deitou-se a seu lado sob a tenda vermelha.
O trigal agitou-se com o brilho das estrelas.
Quando ela se levantou, era Ruth, a judia.


163.

A figura na cerâmica, azul, oval,
mergulha no cristal do espelho, nua,
alma plástica, sílfide parada no ar.
Concreta, Deus mais aérea não a quis.


164.

O punhal feroz, em silêncio, agudo
à espera da carne, sua, em ânsia nua.
O espaço entre a vida e a morte, frio,
na lâmina expectante, mas tão irreal.


169.

Ouçam as gaivotas! Ouçam as gaivotas!
As ondas do mar quebram-se na praia.
Em meu canto a quilômetros de distância,
quase posso tocar a brancura das espumas!


165.

Penso na morte como quem pensa na vida.
O meu limite é sempre mais além, no eterno.
A música da morte leva-me ao princípio
do silêncio de Deus, antes da criação.


167.

Trazemos as flores da loucura nos olhos.
As harpias da guerra ceifam a esperança
e a areia escura do deserto nos derruba.
Sem voz, cantamos nos círculos do caos.


166.

O diamante é puro como uma alma.
Eu me consumo no deserto escuro,
do silêncio o absoluto ser assumo:
me perco e mais perto de Deus estou.



201

O cavalo de pedra na paisagem,
o sol de outubro, o inclemente sol.
Pasto de verde e pedra irmanados
como duas verdades da beleza.

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Dois dedos de memória. Faz uns 40 anos planejei escrever um romance do Livro de Ruth. Não há muita matéria para um romance? Thomas Mann escreveu a história de José em vários volumes. É a questão de ser ou não romancista.

E não estou com pretensão nenhuma de realizar esta ou aquela obra. Escrevo ao acaso, compondo os poemas que me veem à cabeça. É uma forma de adestrar a mão e a cabeça - aliás, de não perder a mão e a cabeça.

Esses dias pensei na história de Ruth como um poema. Como sou poeta, foi fácil. Seria um poema de 14 versos mais ou menos. Como estou trabalhando com a síntese, coluna dorsal da poesia, fiz o poema em dois versos. Acrescentei os dois do meio porque estou trabalhando com quadras - o que não o melhora, mas encorpa, torna-o (talvez) mais poema.

O cavalo de pedra é uma brincadeira, desde quando o fotografei. Sem muita pretensão, o poema tem uma ou duas verdades da poesia.

5 comentários:

Mariana Botelho disse...

nossa, José Carlos! que lindo isso. Acho que vale a pena ir em frente com o romance.

Sonhadora (Rosa Maria) disse...

José Carlos
muito bonito...gostei muito.
Um Beijo
Sonhadora

Lídia Borges disse...

Sempre muito cuidados, os versos numa forma de dizer, admiravelmente, sucinta e criativa.

L.B.

EDUARDO POISL disse...

Muito lindo, gosto de ler tuas poesias.
Abraços

Fernando Campanella disse...

E são lindas tuas quadras, tua síntese poética, caro Brandão. Ouçam as gaivotas, quase posso tocar brancura das espumas, o trigal agitou-se com o brilho das estrelas.... versos muito lindos de tua síntese. Grande abraço.