“Um poema deveria ser sem palavras / como o vôo dos pássaros.”
“Um poema não deveria significar, / mas ser.”
São dois dísticos de Archibald Macleish, inscritos no pórtico de um livro de poemas sobre a poesia que tive a pretensão de compor em 1972. Archibald Macleish falecera nesse anos, publicaram-se várias versões de seu poema mais famoso (ou que eu julguei mais famoso), “Ars Poetica”, e, certamente levado pelo entusiasmo que a leitura desse poema me provocou, organizei esse conjunto de poemas a que dei o nome de “O verbo livre”. Eu era bastante pretensioso.
O título é claramente inspirado no “Ars Poetica”, de Macleish. Não me lembro de nenhuma idéia do poema, exceto que deveria referir-se a vôo de pássaros e que o significado não teria importância – ser é a essência do poema. Parece o óbvio, mas certamente para mim; a maioria dos poetas e leitores acha essencial o significado de um poema. Oras, essencial é a essência, o ser em si.
Escrevi esses dias – será uma idéia nova? – que, para quem realmente é poeta, o conteúdo é já a forma. Era isso que, então, eu queria dizer?
Talvez uma réplica à “poesia concreta” (tão abstrata!) que pretendia que o poema fosse apenas forma. Queriam elidir a palavra... E eu não estava endossando Macleish e seu poema “sem palavras”? Mas o fato é que pretendiam elidir a palavra, criar um outro tipo de linguagem, sem idéias. O poema seria uma forma, e ponto. Um outro tipo de arte.
Eu estava advogando esse outro tipo de arte? Combatia-o. Era o inimigo do poema como eu o concebia e concebo. Mas vejam como as palavras são perigosas, capciosas. Como nos enganam, em sua beleza, levando-nos a dizer o que não queremos. Porque é belo dizer: “Um poema deveria ser sem palavras”, ainda mais se fosse justificada essa assertiva com o símile: “como o vôo dos pássaros”.
Pelo menos eu já estava aprendendo a usar o símile, processo mais eficiente para a criação de imagens do que a metáfora. Com esse problema: o símile – “como o vôo dos pássaros” – pode enganar mais do que a metáfora.
Não sei como pude juntar poemas suficientes para compor um livro. Mandei-o a Wilson Martins, o crítico mais influente na época, que me responde de pronto: não se pronunciaria porque uma opinião isolada não tem valor nenhum, o que importa é o conjunto de opiniões. Não consegui começar a juntar o meu conjunto de opiniões – ou considerei que tinha a primeira opinião negativa.
Estava começando a compor os poemas do que seria o meu primeiro livro, “O emparedado”, que mandei dois anos depois a um concurso no Rio de Janeiro, onde foi premiado com uma menção honrosa, o que foi o bastante para me convencer a publicá-lo. Eram poemas difíceis, de tão herméticos, formalistas, num tempo em que a poesia, quando não era a “concretista”, tendia a desbundar, e os leitores continuaram a se negar a opinar.
E eu continuo a escrever até hoje. Tornei-me simples, mas não o suficiente para ser acessível aos leitores comuns, e sou ainda “antigo” para ser aceito pelas poetas do momento. Acaricio o velho adágio: “O poeta cria na solidão”, que tem a vantagem do duplo sentido, portanto poético, de criar e acreditar na solidão.
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