quarta-feira, 17 de setembro de 2008

A INVENÇÃO DA PAISAGEM


O vermelho pinga no céu de alto a baixo, o barranco abre uma boca enorme e boceja. As flores brotavam da casa e das árvores de cócoras se penteando no espelho do rio. Sou menino pescando na minha varanda alta, os pés balançando sobre o baile das águas.

O limo vai subindo pelas paredes do poço, as samambaias bailarinas brilham cantando. O mundo é uma canoa de pássaros e peixes, as estrelas caem de banda ao sol do meio-dia. As vacas vêm beber com o verde na garganta. Um velho se agacha na beira d’água e sonha. Ergo nas mãos o meu farol e ilumino o mundo.

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Eu tinha borboletas amarelas no olhar. Sementes e palavras me brotavam da boca.

Aquele lugar era meu como o meu corpo. Era meu o sol e eram minhas as árvores, era minha a água, era minha a terra, eram meus os bezerros e as garças da tarde.

O meu moinho mói o universo com doçura.

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Eu andava no meio do mato, com o sol na frente e árvores ao lado, muitas léguas ao redor. Eu tinha o sol na frente e andava e as árvores andavam comigo. Eu estava muito bem acompanhado.

Ouvia sons vindo de toda parte, com a luz coada entre os galhos. Ouvia vozes me ensinando o caminho, eu sempre sabia por onde andava.

As folhas brilhavam nos meus olhos, a água clara cantava na minha língua. Eu sempre soube as palavras do mato, eu sempre tive sementes na língua.

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Ainda fazia escuro, apenas se ouvia um ou outro pio de pássaro, como se também os passarinhos tivessem sono e se espreguiçassem nos seus ninhos ou nos galhos das árvores, os olhinhos assustados entre as folhas quase negras.

Era um rancho de boiadeiros, numa invernada perdida em lugar nenhum, sem nenhuma estrada por perto, sem nenhum sinal de vida humana. O silêncio escuro de antes da madrugada, uma harmonia simples, de quem não precisa refletir sobre nada. Quebra o silêncio a calha d’água, que cantava clara, iluminando o escuro.

A calha d’água, que era como se não existisse, se revela em toda sua pureza. Aquela música líquida, tão alegre, viva, íntima. A água fria, jovem, mal nascida, saindo das fraldas da noite, lavava e alimentava a terra. O dia flutuava leve sobre o orvalho, como se levado pela água da calha

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Uma ponte sobre o córrego. Abaixo ficavam as pedras e a areia; acima, a ponte: grossas toras de madeira. A água e o ar são elementos naturais, estão em harmonia comigo no universo. O chão que piso é o meu domicílio.

Sou envolvido de claridade. Esta ponte faz parte da paisagem como as árvores fortes de onde veio. Essas coisas simples – a ponte, o córrego, as pedras, a areia, as árvores – compõem o universo.

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A borboleta conversa com a árvore e o escorpião passeia entre as pedras. Estou na varanda olhando o tempo, o mormaço da tarde me envolve.

Uma taturana queima o meu olhar. O cabrito salta a porteira da cerca, os cavalos relincham no pasto e bebem o sol.

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O flamingo equilibra a perna fina do silêncio. A árvore madura tem o sol no bico. Não acabei de fazer o meu pássaro, mas ele inventa a minha paisagem.


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