terça-feira, 9 de setembro de 2008

Fado Português

Estou lendo, aos trancos e barrancos, “Fado Alexandrino”, de António Lobo Antunes. A primeira observação que me faço é de que Lobo Antunes nos revela, mais uma vez, que não se lê um romance para descobrir o que acontece no final, mas para saborear o que acontece a cada passo. Lê-se pelo prazer de cada frase, de cada imagem, da movimentação das cenas, como quando se viaja e se tem prazer no próprio ato de viajar, não em chegar a determinado lugar.

A segunda observação é o quanto é risível a tentativa de unificar a língua portuguesa, por decreto. Anotei em algumas páginas palavras portuguesas que nenhum decreto tornará brasileiras. A ortografia é a mesma, mas... Você saberia me dizer o que são “cagufas”? Como você logo viu que o autor gosta de palavrões, teria aí embutido algum palavrão? E o que serão “mirones”, “miúfa”, “espalhanco”, “som mate”? Alguém poderia me dizer? Algum dicionário de Portugal, talvez, nunca uma nova ortografia.

Às vezes a expressão é inteligível pelo contexto: entendo que “grosso” é bêbado, “caraças” é caralho. “Não se agüentava nas canetas” posso entender o que é. “Paneleiros e “bicha” já me contaram, e não têm nada a ver uma com a outra. Leio “assaloiado” e me lembro do “Sargento de Milícias” em que a personagem era “salóia”, talvez por proceder de tal ou qual lugar, e por ser velhaca.

Mas nem maiores nem menores explicações encontro para “à rasca”, “tareia”, “esparregado”, “chiça”, “garranas”, “laracha”, “esparregado”, “camandro”, “arrecuas”, “pantanas”, “sarrabulho”, “sanitas”, “rebaldaria”, “alcofas”, “pagelas”, “magalhas”, “badagaio”, “pataleta”. É bem verdade que algumas dessas palavras estarão no meu dicionário. Encontrei “alcofas”, tipo de cesto de vime. Mas alguém poderia me dizer o que é um “roberto de feira”. Conheço o nome próprio Roberto, sei bem o que é uma feira, mas me diga – com todas as reformas ortográficas! –, o que será um “roberto de feira”?

Por isso falei que estava lendo “aos trancos e barrancos” o “Fado Alexandrino” de António Lobo Antunes. Não sei se os portugueses entenderiam a expressão “aos trancos e barrancos”. Eu não entendo boa parte das setecentas páginas do grande Lobo Antunes, que é um grande escritor, repito, mas muitas vezes incompreensível para os pobres brasileiros. E nenhuma reforma ortográfica vai nos aproximar da beleza da sua linguagem.

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