segunda-feira, 31 de maio de 2010
O tear
O tear
Estou no meio da ponte, olhando o rio.
As águas negras regurgitam lá embaixo
Como um pulmão. As árvores, as estrelas
E os peixes pulsam.
A mulher tem um pinheiro na língua e canta.
O menino relincha como um cavalo.
A lua se admira no espelho d’água.
Contemplo o espetáculo do mundo.
Os cães disputam o osso da tarde.
A sombra é pouca para tanta luz.
É minha a paisagem.
O tear tece a trama de Deus.
Vai nascer o pássaro do êxtase.
Eu sigo arando a terra com a palavra.
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Com muita honra, o meu tear está no blog
Inscriçoes - http://inscries.blogspot.com
e cariricaturas.blogspot.com
Veja os links nas próximas postagens.
domingo, 30 de maio de 2010
Retrato
Retrato
Cresci com o mato, dentro de um caramujo.
Tinha a boca cheia dos ovos do arco-íris,
De meus poros brotava barro feito rãzinhas caolhas,
O limo me cobre quando durmo.
Uma faca me degola para que eu me esqueça,
Mas no gume frio o sangue lembra.
A água me lava até às raízes.
Sou feliz de tarde com o sol se pondo
Ou no fim da chuva, na mágica do pássaro.
Sou torto como o tiziu amoroso de costas,
Meu pulo ninguém vê, nem minha lira.
Pouso na árvore como uma estrela e canto,
Com as mãos trêmulas converso o êxtase da minha terra.
Os meus pés andam os caminhos e voltam.
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sexta-feira, 28 de maio de 2010
O jardim do ocaso
O jardim do ocaso
As formigas em procissão fazem penitência,
Carregam o ocaso como um rio nos ombros.
A roseira reza de costas com o outono nas mãos.
O menino se ajoelha com um martelo e bate firme
Na cabeça de cada formiga trabalhadeira.
As formigas são vermelhas fugindo da coivara
Com o besouro por cima zunindo, meditando.
A árvore toca em sua flauta a história das rãs.
O menino sabe dos mistérios esconsos dos jardins.
O pássaro num galho desfia com o bico o crepúsculo.
O horizonte cochila,
Se encolhe num ninho de guaxo.
O barranco é uma cama e boceja com muito sono.
O menino ajeita em cruz as formigas sacrificadas.
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quarta-feira, 26 de maio de 2010
O tempo parou
O tempo parou
O tempo parou. Nada se move.
O vento grita como louco,
Mas tudo permanece no mesmo lugar.
As águas correm, mas são sempre as mesmas.
São os mesmos bezerros, as mesmas vacas,
O mesmo pasto verde, os coqueiros,
As paineiras, a cerca de arame farpado.
A terra não mudou neste lugar.
O sol nasce e morre no horizonte.
O galo canta com um anzol no bico.
Os pássaros e os peixes cantam.
As sementes morrem e nascem.
A figueira renasce, resiste.
O tempo não existe no paraíso.
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Este poema é do Vasqs. A ideia é dele, eu só escrevi.
Ele disse sentir-se lisonjeado e que me fez voltar à
metafísica – mas eu nunca saí, a metafísica está nas coisas
mais simples. É só extasiarmo-nos com a beleza – e estamos
fazendo metafísica.
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terça-feira, 25 de maio de 2010
Raízes
Raízes
A árvore tem um corte no tronco.
Sangra, um líquen dourado brilha.
Uma flor branca brota da ferida da árvore.
Um beija-flor dança diante da dor e da beleza.
Pássaros vêm e vão entre as folhas, cantam.
Um cavalo vem descansar à sombra da sua copa.
Cachorros latem para as vacas cansadas.
Uma cascavel passa sacudindo os guizos.
O chão está coberto de folhas douradas.
Um ouriço se esconde no vão de uma raiz.
Um gafanhoto verde e amarelo pousa na flor branca.
Um bando de borboletas azuis revoluteia no ar.
Um homem chega, sorri e deita-se à sombra.
A árvore se eleva no céu azul com a luz do sol.
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sábado, 22 de maio de 2010
A lâmpada de argila
A lâmpada de argila
Chego ao lago sereno com suas flores e pássaros.
Deito-me ao sol dourado, sob o verde das árvores.
A brisa ergue no ar a poeira fina dos estames
E a terra fertiliza-se como num encantamento.
Tomo da palavra como uma chave mágica.
As estrelas cantam nas folhas ainda escuras.
O sino toca na montanha acordando o dia.
O meu tronco de árvore floresce e frutifica.
A lagarta carrega uma flor nas costas, torta de dor.
A aranha tece a sua teia, caça e devora a mosca.
O limo escorre entre as pedras do barranco.
Uma cortina de água flui na entrada da gruta.
A casa da poesia é a única morada de Deus.
A lâmpada de argila brilha ainda.
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sexta-feira, 21 de maio de 2010
A coleção de caracóis
A coleção de caracóis
Tenho uma coleção de caracóis
Que a minha gata me ofereceu.
Os caracóis nunca se exilam:
Caminham com a casa às costas.
Estão mais próximos da terra.
As águas deslizam sobre a pedra,
Na trilha viscosa dos caracóis.
O limo líquido brilha no barranco.
Deixam os caracóis a sua marca
Nas árvores, nas pedras e na terra.
As águas saltam como pássaros.
Salta um rio da minha língua
E chove tanto
Que os caracóis florescem.
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quarta-feira, 19 de maio de 2010
Visita ao Matão
Visita ao Matão
Eu me vejo no espelho da janela.
A minha velha casa me recebe,
A mesma casa antiga, familiar,
Com as mesmas paredes, que me abraçam.
Um raio destruiu meia figueira,
Mas ela continua na paisagem
Com os cupins, abelhas, parasitas
Vivendo de seu tronco e suas raízes.
As jabuticabeiras se renovam,
Crescem e multiplicam-se no tempo.
O peru, as galinhas, os bezerros,
O meu mundo me espera no quintal.
O ribeirão, o mato ao fundo, os pássaros
Embalam a minha infância ainda hoje.
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Visita à casa da minha infância, num lugar chamado Matão.
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terça-feira, 18 de maio de 2010
Canção do exílio
CANÇÃO DO EXÍLIO
A minha terra tem uma figueira
Na porta de casa, um cavalo inquieto
E os cachorros latindo para as vacas
E o meu pai apartando os bezerros.
As jabuticabeiras são infinitas,
O pomar tem todas as frutas
E todos os pássaros cantando.
Os sabiás, os melros, os canários
Disputam quem canta mais alto.
O sanhaço lambuza o bico no mamão.
O cafezal e o terreiro de café,
O milharal e a mata à beira d’água
Me lembram que eu sou criança ainda
Com a cara lambuzada de terra vermelha.
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Dia 12 último fui visitar a casa da minha infância.
Continua lá. Caiu um raio em cima da figueira, não está
mais inteira, mas continua lá.
sábado, 15 de maio de 2010
O louco
O louco
Tinha uma roseira e batia na janela
E as pétalas eram grudadas na vidraça.
Eu pensava no adubo para os canteiros
E pensava na terra regurgitando a vida.
Minha mãe erguia a saia cheia de rosas
E as pétalas eram borboletas e revoavam.
O meu pensamento tinha terra nos dentes
E o grito dos periquitos partia a vidraça.
Só minha mãe sabia que eu era louco.
Eu não tinha morrido e dava risada
Bebendo o leite verde das minhas vacas.
Tinha pimenta nos olhos para ver melhor.
Escrevia com pedras e picadas de abelhas.
A loucura me explica e brilha com a beleza.
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quinta-feira, 13 de maio de 2010
O duplo
Ele
Comia o miolo dos macacos
Para espertar a inteligência.
Cochilava ao pé da fogueira
Embriagado de pirilampos e estrelas.
Vivia coberto de limo,
Era como um filho da terra brotando.
A água jorrava dos seus olhos
Como uma fonte de rosas e lua.
Eu era menino e ancião
Com um machado no pulmão perfumado.
Ele se chegava com terra na mão
Dizendo: Coma, meu filho.
Eu era ele de cócoras
Com a vida sangrando do beiço grande.
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O tema do duplo sempre me obcecou. Não seria o caso deste poema? Não foi a intenção, mas agora mesmo me ocorreu: não foi mesmo?
quarta-feira, 12 de maio de 2010
Os castelos de pedra
Os castelos de pedra
Os castelos de pedra coroam o céu do sertão,
As araras devoram o pequi ou as espigas de milho,
Os urubus-rei se escondem nos buracos da serra.
A vida prossegue no equilíbrio natural das coisas.
Passa a nuvem branca pelo céu azul
Desenhando os seus animais delicados.
Ensina que a vida é passar, na altura,
Como os animais, ruminando a paisagem.
Dedilho a harpa do mito ao crepúsculo.
Resolverei meus teoremas sob os carvalhos
Antes que a noite apague o último pássaro.
Tenho penas e sangue nas mãos em cruz.
A esfera do círculo é perfeita e queima.
Deus é o geômetra do mistério azul.
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segunda-feira, 10 de maio de 2010
Ninho
Ninho
Meu lugar nasci.
A garupa da noite me levava a estrela
E um caju na boca.
O monjolo fazia longe o perto mim.
Grande fui cavalo à beira do mato.
Me escoro num tronco.
Espero naquilo, naquilo me sou.
Raiz sob a relva.
Sou galho pendente do azul escorrendo,
Os frutos não vinham,
As ervas subiam na boca, no casco.
Não soubesse a aurora.
Naquilo me sou.
Eu me essa raiz.
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sexta-feira, 7 de maio de 2010
Os olhos da minha mãe
Os olhos da minha mãe
Nasce uma flor nos chifres da vaca,
Uma fonte de leite puro muge no pasto.
O orvalho da aurora me purifica.
Brotam da memória um bezerro e um touro
Voando sobre as árvores da infância.
Onde o cavalo do meu pai? Onde
O grito retumbando como o trovão?
Os centauros celestes fazem chover
Pétalas do delírio e borboletas azuis.
Um peixe curioso espia das locas na água verde
Do ribeirão correndo no fundo do pomar.
O eterno dorme ao meu lado como um cão.
Minha mãe chega à porta com pássaros nos ombros
E me mostra a face de Deus nos olhos.
quarta-feira, 5 de maio de 2010
A casa verde
A casa verde
O meu cão ladra na porteira.
O meu cavalo canta para as vacas no pasto.
O meu galo cego acende as pedras do dia.
As galinhas festejam o milho no quintal
E fora dele, no curral do sol.
O pássaro abre as asas brancas no umbral
Da minha casa, sempre aberta.
A árvore cresce dentro das paredes,
Enrosca as raízes e os galhos
Nas portas e janelas, arrebenta o assoalho.
Posso ver o céu azul pelos vãos do telhado.
O sol entra na casa, acende labaredas
No fogão, na mesa, nas pedras do chão.
A casa é verde como uma semente ao sol.
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segunda-feira, 3 de maio de 2010
Desenho
Desenho
Eu desenhava pássaros no mato.
As águas rebrilhavam sob a ponte.
O sagui balançava-se num galho.
O esquilo descascava um pinhão.
Os canários dourados como o sol
Voavam e cantavam na cascata.
Eu contemplava o córrego e os pinheiros.
Havia tanta luz no morro verde.
Um gavião cruzou o ar como uma faca.
O azul sangrou de dor e maravilha.
Minha alma se elevou no azul do céu.
Os cavalos ergueram-se nas patas
E galoparam para o horizonte.
As pétalas da flor caíram na água.
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