Onde eu estava há meio século?
Há exatamente 50 anos eu estava neste lugar maravilhoso:
http://www.youtube.com/watch?v=XHthkSDQkeQ&feature=youtube_gdata_player
A igreja era enorme ("Era monstruosa", de tão grande, escrevi em algum lugar), o seminário era enorme... Tudo muito velho, antigo, antiquíssimo. Eu imaginava que era coisa lá do tempo da guerra - e era, começou a ser construído em 1943... Mas quando cheguei lá uma das alas ainda estava em construção, quase construída. Hoje parece tudo novo. Até a natureza parece nova. Parece, só parece. A natureza não tem idade. Era belíssima, deslumbrante. E o seu lado primitivo mais deslumbrava - as casas de madeira, construídas sobre estacas para fugir das enchentes anuais, as estradas de pedra e terra vermelha (de barro, na linguagem do lugar), as pessoas primitivas, como se pertencessem a um outro século (o XIX, talvez o XVIII), nas vestes, nos costumes, na linguagem - muitos nem falavam o português. Tive muitos colegas que foram aprender português quando entraram no seminário. Alguns falavam italiano (de Trento), outros alemão, outros ainda polonês. Era um outro mundo.
Foi em 1962 e 1963. Eu tinha 15 e 16 anos de idade. Que pena que a nossa memória seja tão pobre! Muito do que eu sou hoje começou a ser formado lá, naquele lugar fantástico. Até a minha vontade de ser poeta nasceu lá, quando eu li, entre tantos livros velhos da biblioteca do seminário, o livro Os Simples, de Guerra Junqueiro, e vi que gente simples, lugares simples, que as coisas que eu vivi e que eu conhecia podiam ser matéria de poesia. Já me disseram que isso não importa, eu seria poeta de qualquer maneira. Pode ser, mas foi assim que aconteceu. Foi entre aquelas paredes enormes que escrevi o meu primeiro poema, que era justamente sobre a figueira que havia em frente à casa da minha infância - havia e há, ainda está lá, mutilada por um raio, mas ainda grande e vigorosa.
Mas agora o assunto é Rio do Oeste, que eu conheci como uma cidadezinha de uma única rua de terra, à beira do rio Itajaí. A igreja lá em cima do morro, dominando tudo, como um castelo, talvez, como uma fortificação, ou como o santuário belíssimo que era, embora não branquinho como agora, brilhando, como se acabasse de ter sido construído. Atrás ficava o seminário, também grande, também pesado, mais pesado, escuro, medonho... A minha lembrança era de uma construção medonha, quase eu me esquecia da beleza estranha, absorvente, estranhamente pura, que o envolvia.
Veja: quando eu cheguei lá a cidade tinha apenas três anos de vida. Rio do Oeste foi elevada à categoria de cidade em 1959. Mas o seminário, como eu já disse, começou a ser construído em 1943. Tempos difíceis. Tempo da guerra, eu pensava, sem saber que tinha razão. Lugar de gente muito pobre, que mal tinha o suficiente para se manter. Gente de coração grande, que dava até o que não tinha.
Eu o convido a viajar comigo. No tempo e no espaço. Na memória - que guarda tão pouco do que os olhos viram, do que o corpo e a alma viveu. Trago um pouco, ainda que muito pouco, desse lugar comigo. Viva a vida!
José Carlos Mendes Brandão
Há exatamente 50 anos eu estava neste lugar maravilhoso:
http://www.youtube.com/watch?v=XHthkSDQkeQ&feature=youtube_gdata_player
A igreja era enorme ("Era monstruosa", de tão grande, escrevi em algum lugar), o seminário era enorme... Tudo muito velho, antigo, antiquíssimo. Eu imaginava que era coisa lá do tempo da guerra - e era, começou a ser construído em 1943... Mas quando cheguei lá uma das alas ainda estava em construção, quase construída. Hoje parece tudo novo. Até a natureza parece nova. Parece, só parece. A natureza não tem idade. Era belíssima, deslumbrante. E o seu lado primitivo mais deslumbrava - as casas de madeira, construídas sobre estacas para fugir das enchentes anuais, as estradas de pedra e terra vermelha (de barro, na linguagem do lugar), as pessoas primitivas, como se pertencessem a um outro século (o XIX, talvez o XVIII), nas vestes, nos costumes, na linguagem - muitos nem falavam o português. Tive muitos colegas que foram aprender português quando entraram no seminário. Alguns falavam italiano (de Trento), outros alemão, outros ainda polonês. Era um outro mundo.
Foi em 1962 e 1963. Eu tinha 15 e 16 anos de idade. Que pena que a nossa memória seja tão pobre! Muito do que eu sou hoje começou a ser formado lá, naquele lugar fantástico. Até a minha vontade de ser poeta nasceu lá, quando eu li, entre tantos livros velhos da biblioteca do seminário, o livro Os Simples, de Guerra Junqueiro, e vi que gente simples, lugares simples, que as coisas que eu vivi e que eu conhecia podiam ser matéria de poesia. Já me disseram que isso não importa, eu seria poeta de qualquer maneira. Pode ser, mas foi assim que aconteceu. Foi entre aquelas paredes enormes que escrevi o meu primeiro poema, que era justamente sobre a figueira que havia em frente à casa da minha infância - havia e há, ainda está lá, mutilada por um raio, mas ainda grande e vigorosa.
Mas agora o assunto é Rio do Oeste, que eu conheci como uma cidadezinha de uma única rua de terra, à beira do rio Itajaí. A igreja lá em cima do morro, dominando tudo, como um castelo, talvez, como uma fortificação, ou como o santuário belíssimo que era, embora não branquinho como agora, brilhando, como se acabasse de ter sido construído. Atrás ficava o seminário, também grande, também pesado, mais pesado, escuro, medonho... A minha lembrança era de uma construção medonha, quase eu me esquecia da beleza estranha, absorvente, estranhamente pura, que o envolvia.
Veja: quando eu cheguei lá a cidade tinha apenas três anos de vida. Rio do Oeste foi elevada à categoria de cidade em 1959. Mas o seminário, como eu já disse, começou a ser construído em 1943. Tempos difíceis. Tempo da guerra, eu pensava, sem saber que tinha razão. Lugar de gente muito pobre, que mal tinha o suficiente para se manter. Gente de coração grande, que dava até o que não tinha.
Eu o convido a viajar comigo. No tempo e no espaço. Na memória - que guarda tão pouco do que os olhos viram, do que o corpo e a alma viveu. Trago um pouco, ainda que muito pouco, desse lugar comigo. Viva a vida!
José Carlos Mendes Brandão
2 comentários:
Há tantas andanças que nossos passos guardam, tantas lembranças que no peito embala. A boniteza dos lugarem permanecem, ainda bem que, muito além da nossa retina.
Lindo, meu querido.
Beijo meu,
Sam.
Oi Brandão! Quando acessei o vídeo do Youtube, fiquei pensando: pq o Brandão nos quis levar até aquele lugar? Mas, ao ler as suas palavras nesta magnífica crônica, fiquei emocionado - e ao mesmo tempo grato - por você ter compartilhado conosco essas memórias. Agora, faz todo o sentido! Grande abraço
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