A ÁGUA NEGRA
A caixa d’água no escuro do sótão não dorme.
Um demônio vigia e ronca no cotovelo da escada.
Os mortos nunca estão suficientemente lavados.
Ouço no fundo do inferno o canto de Orfeu.
As idéias se afogaram no bronze salgado do mar.
Os ratos insones passeiam no cemitério dos navios.
Onde o ouro obscuro que tanto me atrai e mata?
O vento se envergonha do corpo nu de Eurídice.
Pendurei Eurídice pelos cabelos no mais alto mastro.
Os marinheiros com a garganta seca gritam de sede.
Os tambores rubros retumbam, os canhões explodem.
A guerra não tem fim, os campanários desabam no caos.
A água negra inunda a casa do sótão até o porão.
O meu anjo da guarda perde as penas das asas negras.
7 comentários:
Uau! Muito bom!
Abraço.
Uma estrutura difícil, num belo poema.
Lindo, o canto de Orfeu e o corpo de Eurídice.
O anjo da guarda perde as penas das asas negras. Nossa, quanto simbolismo e tantos significados. Mil imagens se formaram.
Só os grandes podem fazer poemas assim!
Beijos,
Mirze
JC, gostei desse poema meio noturno, embora as águas é que sejam negras. Muito profundo, bem construído, uma concepçãp especialmente rica de símbolos. Parabèns! Bj
"Os mortos nunca estão suficientemente lavados."
E temos que insistir neste rito.
Asas lavadas... De mar.
Muito belo poema, Brandão!
Dizer algo tão profundo desse jeito não é para todo mundo. Gostei muito! Abraço
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