quinta-feira, 21 de julho de 2011

A ÁGUA NEGRA









A ÁGUA NEGRA

A caixa d’água no escuro do sótão não dorme.
Um demônio vigia e ronca no cotovelo da escada.
Os mortos nunca estão suficientemente lavados.
Ouço no fundo do inferno o canto de Orfeu.

As idéias se afogaram no bronze salgado do mar.
Os ratos insones passeiam no cemitério dos navios.
Onde o ouro obscuro que tanto me atrai e mata?
O vento se envergonha do corpo nu de Eurídice.

Pendurei Eurídice pelos cabelos no mais alto mastro.
Os marinheiros com a garganta seca gritam de sede.
Os tambores rubros retumbam, os canhões explodem.

A guerra não tem fim, os campanários desabam no caos.
A água negra inunda a casa do sótão até o porão.
O meu anjo da guarda perde as penas das asas negras.



7 comentários:

Anônimo disse...

Uau! Muito bom!

Abraço.

Unknown disse...

Uma estrutura difícil, num belo poema.

Lindo, o canto de Orfeu e o corpo de Eurídice.

O anjo da guarda perde as penas das asas negras. Nossa, quanto simbolismo e tantos significados. Mil imagens se formaram.

Só os grandes podem fazer poemas assim!

Beijos,

Mirze

Adriana Godoy disse...

JC, gostei desse poema meio noturno, embora as águas é que sejam negras. Muito profundo, bem construído, uma concepçãp especialmente rica de símbolos. Parabèns! Bj

Edson Bueno de Camargo disse...

"Os mortos nunca estão suficientemente lavados."

E temos que insistir neste rito.

Graça Carpes disse...

Asas lavadas... De mar.

Bazófias e Discrepâncias de um certo diverso disse...

Muito belo poema, Brandão!

www.pedradosertao.blogspot.com disse...

Dizer algo tão profundo desse jeito não é para todo mundo. Gostei muito! Abraço