segunda-feira, 31 de janeiro de 2011
sexta-feira, 28 de janeiro de 2011
A mesa dos mortos
Um socó desafia uma garça, abaixo da Ponte Velha, de Barra Bonita,
apontando para a estrada de Igaraçu do Tietê, de 1 km. que eu garbosamente
percorri muitas vezes brincando, quando criança.
A MESA DOS MORTOS
Os mortos acordam, sentam-se à mesa comigo.
Têm pedras nas mãos e pássaros sobre os ombros.
É perigoso que as pedras matem os pássaros.
As palavras são pesadas como pedras.
Às vezes é preciso que as palavras matem os pássaros.
A minha mãe e o meu pai contam histórias.
Têm terra na boca e contam histórias.
As suas palavras são como a água no meio do mato.
Nas suas palavras, a alma de todos os que vieram antes.
O meu avô corta lenha com um machado negro.
O machado do meu avô corta a lenha da memória.
Se é verde, fica a secar ao sol.
É preciso apagar a memória das árvores.
Tanta água represada.
Deus preside a conferência dos mortos.
Deus guia a minha mão.
Não escreve por mim: muitas vezes apaga o que escrevo.
Deus me ensina: as palavras morrem.
As palavras precisam apagar o que existe.
É preciso deixar lugar para o eterno.
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quarta-feira, 26 de janeiro de 2011
A pedra da memória
Rio Tietê, com olarias ao fundo, visto da Ponte Campos Salles, a "Ponte Velha"
ou "Ponte de Ferro", entre Barra Bonita e Igaraçu do Tietê, SP.
A PEDRA DA MEMÓRIA
Plantei a pedra da memória na montanha.
Passei por aqui, neste lugar morreram
os meus pais, meus irmãos, meus avós.
Este é o tempo do infortúnio.
Jejuei na gruta do abandono
com os morcegos e as traças.
Os meus pés amassavam a argila de Deus.
Os meus dedos iriam, um dia, moldar a argila
em forma de cântaros preciosos.
Os meus lábios lhe iriam dar vida
com o sopro do verbo.
O verbo de Deus sopraria dos meus lábios
e os cântaros cantariam a música do eterno.
As cidades miseráveis do homem.
Os labirintos de cifras das cidades do homem
edificadas sobre o farelo dos desejos.
As palavras são intermináveis e não dizem nada.
Os lábios não beijam,
as línguas estão secas da saliva do espírito.
Os corações não têm sangue, mas números.
Os livros contêm resultados, são a tumba do olvido.
Eu sou o filho pródigo, retorno à casa do Pai.
Os jornais recolhem os excrementos das moscas,
eu retorno à casa do Pai.
O povo delira sob a fuligem do céu,
sob os tetos de vidro e aço,
exposto ao sol negro, que queima a alma.
Eu volto derrotado à casa do Pai,
mas ainda tenho o verbo de Deus nos lábios.
Os espinhos perfuram os meus pés.
A urtiga dilacera a minha face.
Somente o verbo fala comigo.
Ouço, no vento que passa, a voz de Deus.
Não entendo o mistério, mas sei que ouço a voz de Deus.
Um pássaro voou da árvore de fogo,
pousou no meu ombro com as garras vermelhas,
cantou as sílabas do verbo, impronunciáveis.
Amei a beleza desse canto, decifrei seu enigma:
é a rosa, a essência da rosa, a face de Deus.
Prostrei-me diante do altar.
Voltei as costas aos ratos insaciáveis.
Sigo a estrela. A porta está aberta.
Carrego nos ombros os cântaros do verbo,
com a água límpida do espírito.
segunda-feira, 24 de janeiro de 2011
A SUBLIME POESIA DA SÔNIA BRANDÃO
Esse SUBLIME eu diria que é um bocado exagerado.
Mas considero a poesia da Sônia de excelente qualidade.
Vale a pena conferir a seleção de poemas que o Benilson
fez em seu blog A NOVA POESIA BRASILEIRA
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As águas do eterno
AS ÁGUAS DO ETERNO
As águas correm, correm para sempre.
Sou só, sou a paisagem verde e Deus.
Uma garça branca pousa na margem do rio.
O sol pousa no horizonte vermelho.
Por que contemplar? Por que a luz, o êxtase?
Além do horizonte ergue-se um novo horizonte.
A árvore se transfigura, como Cristo.
A árvore sofre, agoniza, como Cristo.
Os frutos pendem da árvore, como pássaros maduros.
Colho os frutos e canto e conheço.
Como o sol, as águas correm para sempre.
A terra seca, o deserto onde não medra a semente.
Não edifico a minha casa nessa terra.
Este é o campo da penumbra.
Este é o campo da penúria, do silêncio seco de Deus.
Preciso de água para a minha argila.
Preciso de argila para o meu cântaro.
Preciso do cântaro para a minha face.
Modelo a minha face à imagem da face de Deus.
As águas correm para sempre.
Onde as águas que correm para sempre?
As vigas da minha casa estão podres.
Onde a palavra nova que sustente a minha casa?
Ouça o vento, que enferruja o arado.
Ouça o lamento dos sulcos, que esperam a semente.
Ouça a semente amarga florindo no meu túmulo.
As águas fluem, os horizontes fluem.
O pássaro e o trigo fluem, com a terra amarga.
No princípio era o verbo, eram os alvos lençóis.
No princípio eram as águas.
No princípio eram as garças brancas sobre as águas.
E as águas correm para sempre.
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Foto na ponte sobre o rio Tietê, na divisa de Barra Bonita e Igaraçu do Tietê, onde passei os últimos anos da minha infância.
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sábado, 22 de janeiro de 2011
Elegia da lama
imagem: web
Elegia da lama
Uma rosa vermelha
afoga-se na lama
Uma mulher se ajoelha
coberta de lama
Repete-se o dilúvio
num mar de lama
A vida perde o sentido
coberta de lama
quinta-feira, 20 de janeiro de 2011
Coisas
A PALAVRA COISA
A poesia da palavra coisa.
O seu silêncio de ovo, de relógio.
A coisa é uma pedra no poema,
pedra de toque, fora e dentro: essência.
HORIZONTE
Chove lá fora, além das montanhas
no horizonte em frente
e num outro horizonte com que sonho sem fim.
FLOR DE PEDRA
A flor nasce na pedra,
a flor medra na pedra.
Nasce, medra, como tudo
para morrer.
NOTA
No velho livro,
uma data e a nota:
“Trocaram o nosso gato.”
NO MEIO DO CAMINHO
Tinha uma pedra no meio do caminho.
Pus de lado e sentei em cima
para descansar.
COMPOSIÇÃO
Entre coisa e cousa
componho o poema
com giz e lousa.
O GUARDA-CHUVA
Abro o guarda-chuva
contra as águas do dilúvio
e morro afogado.
ELÉTRICO
Meu céu ficou elétrico
na objetiva da minha câmara
e nas minhas retinas.
A COISA
A poesia é uma coisa
que ninguém sabe o que é
e se soubesse, o que adiantaria?
terça-feira, 18 de janeiro de 2011
O espelho de bronze
O CANÁRIO
O canário de ouro
entre as folhas da árvore
e os meus olhos.
A SOMBRA DAS NUVENS
Somente as nuvens fazem sombra
sobre as pedras e a areia do deserto.
O ESPELHO E O PÓ
O espelho reflete o pó sobre o relógio.
O pêndulo, pesado de sombra, não para.
VIRGÍLIO
Virgílio escreve o poema
do mar, dos deuses e dos homens.
Aos poucos a sua coroa de louros
transforma-se em bronze e ouro.
EVA
Eva recebe da serpente
uma maçã
e a minuciosa arte de amar.
O ESPELHO DE BRONZE
Eu sou aquele que esquece.
Eu sou o esquecimento.
ESCREVO PARA NÃO ESQUECER
A poesia é filha da memória.
As imagens no espelho se iluminam
sob as águas do esquecimento.
A ROCA
O fio segue-se a outro fio
e a meada se completa.
E a roca a fiar, a roca a fiar.
O HIBISCO
O hibisco estende o pecíolo
à frente de suas largas pétalas.
Ofertório à beleza vermelha.
domingo, 16 de janeiro de 2011
Cruzamento perigoso
AS VACAS
As vacas pastam a tarde
à beira do canavial.
Nuvens brancas, céu azul.
PLACA
A placa amarela
CRUZAMENTO PERIGOSO
e um cachorro morto.
RESINA
O tronco cortado
da velha árvore doente
e o ouro da resina.
O VENTO LEVA
No tronco cortado
a imagem de um coração
e a serragem ao vento.
O NINHO
O pequeno ninho
e a dança do beija-flor
ao vento da tarde.
O HIBISCO
O hibisco vermelho
entre as folhas verdes
que a lagarta rói.
A PALMEIRA
A palmeira verde
no pasto à beira do mato
e as flores azuis.
O QUERO-QUERO
A flor amarela
e a marcha do quero-quero
à beira do lago.
JANEIRO
Céu de janeiro.
As nuvens cobrem
todas as estrelas.
O ESTRANGEIRO
Sou um estranho no espelho.
E as nuvens passam
sob o sol que fica.
sexta-feira, 14 de janeiro de 2011
Uma parábola
UMA PARÁBOLA
Você sabe a diferença entre o filósofo e o teólogo? O primeiro é o homem cego num quarto escuro procurando um gato preto. O segundo é o homem cego no quarto escuro procurando um gato preto que não está lá.
Essa historinha foi um teólogo quem me contou. Como sou poeta, vou meter o bedelho e continuar. O terceiro é o poeta: o homem cego no quarto escuro procurando um gato preto que não está lá, com uma pedra em cada mão.
O filósofo não encontra o que procura, mas sabe que está lá. O teólogo também não encontra o que procura, mas sabe que existe. O poeta é cego como os outros, porque todo homem é cego, mas bate uma pedra contra a outra e vê a iluminação no escuro. Saber que existe essa iluminação lhe basta.
segunda-feira, 10 de janeiro de 2011
O outro deserto (poeminhas)
O OUTRO DESERTO
Na areia sob a água
a memória do deserto.
O PÁSSARO AZUL
A ROSA
Eu vi um pássaro azul.
A paisagem está perfeita.
Nada mais é preciso.
A ROSA
As pétalas como lábios
da beleza viva.
IMAGEM
Sou uma imagem
na água turva do tempo.
INFINITO
Infinito como a areia
o bronze do mar.
O SOL DA GALINHA
A galinha e a sombra
uma minhoca medrosa
o mundo do sol.
LÁZARO
Por que Lázaro volta à vida
com a memória das estrelas
e da areia do deserto?
Bastava-lhe um infinito.
CAVERNA
Nas paredes da caverna
dormem figuras estranhas
e uma sombra, talvez a minha.
A ÁRVORE SECA
A árvore seca
as águas do rio correm
sob o céu azul.
AS GALINHAS
As galinhas marcham
no galinheiro apertado
exercício ao sol.
sábado, 8 de janeiro de 2011
O gavião e a pomba

O GAVIÃO E A POMBA
O gavião grita no ar, mas não é o seu grito de alerta, vitória e domínio. É um grito de medo. Um bem-te-vi persegue-o, bica em desespero furioso o seu dorso, o pescoço, as asas frágeis.
O gavião carrega uma pomba nas garras, seu troféu, seu alimento. Voa no baixo, sem velocidade, é presa fácil de pássaros menores como o bem-te-vi. Foge de uma árvore a outra, não consegue esconder-se.
Logo mais dois, três bem-te-vis somam-se ao primeiro no ataque ao inimigo. O gavião larga a presa no meio da rua. Observo temeroso a pomba encolhida entre os carros, vítima do trânsito feroz.
O gavião busca abrigo na torre da igreja. Os desvalidos sempre procuraram refúgio na igreja. Hoje o gavião é um refugiado, e a igreja – a Igreja Santa Teresinha – há tempos é a morada de sua família.
Levo a pomba para casa. Sangra, as garras do gavião penetraram-lhe o corpinho delicado. Pulsa, com um fio de vida, não deve resistir muito. Seguro-a com cuidado entre os dedos. A Sônia trata as suas feridas, aproxima-lhe pão embebido em leite do biquinho trêmulo.
A morte pinga dos seus olhinhos angustiados.
Ela dá duas bicadas fracas num pedaço de pão. Depois, pende a cabeça para o lado, deixa cair um último suspirozinho, e morre.
Enquanto escrevo, ainda ouço o grito do gavião. Mesmo quando o gavião tem a sua hora de fraqueza, e não pode fazer outra coisa a não ser fugir, mesmo assim tem as garras mortais.
A Sônia lembra a pombinha e, como se estivesse compondo um poema, entoa:
– Eu a alimentei com a morte.
Esta é minha última crônica, de hoje. Tentei fazê-la pequena, de umas dez linhas. Precisei de três vezes mais.
Há leitores que se confundem com o título deste blog. Como se a palavra "crônica" fosse adjetivo de "poesia" : a poesia quase como uma doença crônica - ou, vá lá, qualidade ou estado de espírito constande do autor.
Não meus caros: Quem não me entendeu, desculpe-me. Este blog foi criado para postar crônicas e poemas. Principalmente crônicas.
Depois, sentindo a dificuldade de se ler crônicas ou qualquer texto um pouco longo, num blog, fui deixando-as inéditas. Ou mesmo deixei de escrever.
Era o mote que voltei a expor lá no cabeçalho: um registro do tempo que passa.
Esta crônica de hoje narra um fato que a Sônia já registrou em um poema, com a concisão lá dela. Está aqui, no nº 6 destas belas inscrições.
quarta-feira, 5 de janeiro de 2011
TÓLSTOI ESPERA O TREM NA ESTAÇÃO DE ASTAPOVO
Estação de Astapovo - foto da web
TÓLSTOI
ESPERA O TREM NA ESTAÇÃO DE ASTAPOVO
Tolstoi espera o trem na
estação: é preciso partir. Todos
esperamos na estação: a
partida é inadiável.
A fumaça sufoca, turva
os olhos, cega e estonteia
e nem percebemos que o trem
chegou
e partimos.
É noite. Mar, rochedos,
estrelas.
Os mortos desfilam aos
pares, cantando uma canção interminável.
Um cachorro balança o rabo
para os homens.
Tolstoi dorme num canto, à
espera do trem.
O que é a verdade?
Por que Deus não fala alto e
claro?
Por que os homens não ouvem
as palavras de Deus?
Pai!
Ó Pai, por que me
abandonaste?
O cristal do cálice se parte
sob as pálpebras.
Pendo a cabeça à beira do
poço. Tolstoi e eu morremos na estação
de Astapovo.
segunda-feira, 3 de janeiro de 2011
As palavras no jardim
AS PALAVRAS NO JARDIM
As palavras crescem no jardim
entre as pedras
e os cavalos descuidados.
Têm cicatrizes
ou tatuagens
na fronte
como flores sinistras
dançando no abismo.
Qual a chave?
Que símbolo me revela?
Os cabelos crescem nos telhados
e debaixo da terra,
vermelhos.
O sol derrete o chumbo
dos cata-ventos.
Um galo canta
no monturo
a verdade
escrita com sangue.
Crescem as unhas
do tempo.
A linguagem
dos peixes
no vento
acorda antigas crenças.
Dai-me
a âncora
do mundo,
ó timoneiro da aurora.
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