ELEGIA DO FOGO
Com a tocha na mão, saio da caverna
a face gelada como a pedra, o limo a escorrer da face
com o silêncio.
A montanha vai desabar, não restará pedra sobre pedra
nenhuma árvore, vegetação nenhuma
e a água vai se transformar em pedra, em pó
e deslizar sob as ruínas.
Um sino ainda toca, ressoa surdo nas galerias
entre os dentes das pedras.
Ó taciturno, eu digo, a face pálida contra as tochas.
Um gavião grita com o fogo na língua.
Ah, se eu soubesse a verdade.
Ah, se eu soubesse quem me segue encapuzado.
Nunca estou sozinho, sempre o gavião me segue
e o outro, o encapuzado.
Passeio por entre velhos túmulos
ossos despontando na terra revirada
e uma única cruz, enterrada pela metade
um galo sentado num dos braços cantando
cantando desesperado
cantando como se estivesse para morrer.
Tenho a chave na mão
aperto com força a chave na mão até sangrar
mas não encontro a porta.
O barco está longe
o pântano afunda sob meus pés.
Terei deixado os papéis em ordem? Poderei partir?
sem prejuízo, sem agonia, sem multiplicar a morte?
Meu cavalo está morto.
Meu cão está morto.
Minha mão está morta, quase seca.
O fogo me queima os cabelos, os olhos, a língua.
Devo partir?
É chegada a hora?
O mar enlouqueceu
o céu enlouqueceu.
As chamas unem as nuvens e as ondas.
Rodopiam
rodopiam.
É tarde? É a hora? Os gonzos da porta rangem.
E eu que não encontro nenhuma porta.
O galo canta, escorre sangue da garganta
mas canta.
________
12 comentários:
Muito bom mesmooo... Deu pra refazer cada passo na cabeça. A conexão de palavras é ótima.
Parabéns, poeta!
Brandão!
Você se supera mesmo a cada texto! Este está sensacional. Consigo enxergar tudo o que escreveu, desenho a desenho. E o final, o sangue escorrendo... e a ideia, perfeita, da morte "Terei deixado os papéis em ordem? Poderei partir?
sem prejuízo, sem agonia, sem multiplicar a morte?"
Lindo demais!
Beijão
Carla
Adorei o seu blog.Adorei a sua verve de escrivinhador.Que legal. Estou lhe convidando a passar pelo meu blog em visita e se possivel seguirmos juntos por eles estarei grato lhe esperando aqui
http://josemariacostaescreveu.blogspot.com
Um texto que fala das intranquilidades da vida e das motivações da morte. Terrível, se nos apanha distraídos.
Beijo
Brandão
Que ritimo agonizante!
Que delírio de chamas, incendiando os medos.
Suas palavras são joias preciosas.
No meu blog, seus comentários são dádivas que recebo, são raios de sol a me iluminar.
Muito obrigada!
Conte com meu carinho e admiração,
Fátima Guerra
Brandão
Que ritimo agonizante!
Que delírio de chamas, incendiando os medos.
Suas palavras são joias preciosas.
No meu blog, seus comentários são dádivas que recebo, são raios de sol a me iluminar.
Muito obrigada!
Conte com meu carinho e admiração,
Fátima Guerra
José Carlos!
Segui o ritmo alucinante dessa elegia e viajei em cada passo. Uma hora gavião, em outro momento o medo de tudo desabar.
Passei pelo fogo, e entendi o sangue que o galo vomitou ao cantar.
Um poema de tirar o fôlego, que só você seria capaz de fazer.
Com certeza. Com essa magia!
Beijos, POETA!
Mirze
Excelente, o seu poema!
Dá gosto ler poemas assim!
Um forte abraço
Ardoroso poema!
Fogo!
Fogo!
E toda a mansidão do último ai
de uma branda alma
...
Forte abraço,
grandioso poeta
e meu amigo.
Angustiante, como a querer a transposição de um limite que sempre retorna; ou galgar a escada rolante descendente. Intenso e profundo.
Grande abraço.
Este lugarsinho é muito bom, aki estou com minha chícara de cha e admirando seu texto, e suas imagens que vaijo junto, divago em fim me transporto, obrigada, aki deixo minha gratidão pelo tempo que aki passei.
com carinho
Hana
José,
Que voraz fogo!
Senti a angústia da morte a rondar minhas orelhas, com seu capuz e silêncio.
É que nunca pensamos nela, mas ela sempre vem e quase sempre não estamos prontos.
Bjs grandes, poeta
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