quarta-feira, 6 de outubro de 2010

No meio do caminho




No meio do caminho

No meio do caminho as sombras dançam,
Entre os raios de sol e as poças d’água.
Um passarinho pousa aqui e ali
E bica a própria imagem na água suja.

Uma rosa caída numa pedra
Quase sangra, ao sol, de tão vermelha.
O voo leve de uma borboleta,
De flor em flor, de uma a outra rosa.

Um gafanhoto bate na vidraça
E cai em agonia na calçada.
Alvoroçadas as abelhas zunem
Em volta da cachopa, no portal.

No meio do caminho dança o sol
Refletido em cada poça d’água.
Uma cadela vem beber nas poças,
Com a água e o sol, o dia como imagem.

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Dialogo com um dos poemas mais lembrados de Drummond, “No meio do caminho” (que dialoga com Dante) e um dos menos lembrados (mas dos melhores) de Bandeira, “A realidade e a imagem”.
Harold Bloom cunhou a expressão “a angústia da influência” lembrando o fantasma que persegue tantos escritores tão ciosos de sua “originalidade”. Eu fico com aqueles que se extasiam com o prazer da influência – ou com o diálogo.
Deixo aqui o poema de Bandeira para a observação direta do meu processo criativo, de que me orgulho.

A realidade e a imagem

O arranha-céu sobe no ar puro lavado pela chuva
E desce refletido na poça de lama do pátio.
Entre a realidade e a imagem, no chão seco que as separa,
Quatro pombas passeiam
.

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14 comentários:

chica disse...

Maravilhoso e me encanto por aqui.Lindas fotos sempre, além das poesias!abraços,chica

Ira Buscacio disse...

José,

E deves msm se orgulhar, pois essa sensibilidade é pra poucos, meu amigo.

Lindo e lírico.

a poça, o espelho do céu

Bjs

Anônimo disse...

Ótimo diálogo! =)

Jota Brasil disse...

Essas imagens pequenas e simples do dia a dia, só os grandes artistas conseguem com maestria descrever.
Parabéns professor....quando eu crescer, quero escrever assim!!!!!

Marcantonio disse...

Chamar de belo o seu poema já seria me repetir; todos os poemas aqui soam especiais. Com relação à influência, concordo integralmente; jamais acreditei em originalidade absoluta, menos ainda em rupturas totais. Mesmo o primeiro louco que entalhou uma pedra ou um osso deve ter sido influenciado por uma imagem esculpida pela natureza; desde então, tudo se desenvolve de uma visão anterior.

É inspiradíssima a imagem do cabeçalho!

Grande abraço.

Unknown disse...

José Carlos!

Quantas imagens lindas! Certamente o passarinho bicou a própria imagem como num beijo a si mesmo.

Os diálogos com Drummond e Bandeira, encheram-me de orgulho!

Isto é uma beleza e rara!


Beijos

Mirze

Sonhadora (Rosa Maria) disse...

Meu querido
Quem é poeta mostra.
Adorei o poema.

beijinhos
Sonhadora

Luiza Maciel Nogueira disse...

muito bom, eu continuo dizendo que é essencial fazer poesia sobre a natureza, os bichos - a poesia te vem com tanta facilidade. a poesia da natureza pura!

beijo

mARa disse...

Como Bakthin, o discurso se constroi de outro discurso, dentro de outro infinitamente...

Essa intertextualidade permite-nos construções maravilhosas que lembram outras e outras, originais? Originalíssimas.

Beijo! deixo-te dois outros textos que casam aí e vivem felizes para sempre, assim era uma vez...

Cidadezinha Qualquer

Casas entre bananeiras

mulheres entre laranjeiras

pomar amor cantar.

Um homem vai devagar.

Um cachorro vai devagar.

Um burro vai devagar.

Devagar... as janelas olham.

Eita vida besta, meu Deus."


(Carlos Drummond de Andrade)

mARa disse...

Tecendo a manhã.

Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito que um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galo...(João Cabral de Melo Neto)

...penso isso da construção das letras...vamos tecendo com outros fios de letras...

Fátima Guerra (Mellíss) disse...

Brandão

Ler, entender, mergulhar, interpretar, criar, dialogar ...
Tal coração é seu, capaz de recriar a paisagem, deixando as digitais da alma.
Sou um vagalume ousando conversar com as estrelas, mas não resisto.
Carinho e admiração,
Fátima Guerra

Adriana Godoy disse...

Belos diálogos, JC...aplausos, aplausos!!

BAR DO BARDO disse...

Uma "angústia" que apenas os grandes merecem. E você sempre faz por onde...

Gerana Damulakis disse...

Adoro os diálogos poéticos. Adorei!