terça-feira, 8 de setembro de 2009

Lenda de São Julião Hospitaleiro, segundo Flaubert




1

Julião ouve a maldição do veado:
“Matarás o teu pai e a tua mãe.”
E toda uma vida carregou
essas palavras nos ouvidos loucos.

Foi o guerreiro vil do desespero,
matou por reis e príncipes e damas.
Premiado com a mão de uma donzela,
vive feliz sem mais caçar, jamais.

Mas ele vai caçar, e é perseguido
pelos animais, pela maldição.
Volta nas mãos da angústia para casa

e mata em sua cama o homem deitado
com a sua mulher, sem saber que eram
o seu pai e a sua mãe – e a maldição.


2

Julião atravessa os viajantes
no seu precário barco, sobre o rio
terrível, por qualquer côdea de pão.
Cumpre a pena do seu pecado infame.

Um dia ouve o chamado entre as ondas,
era um leproso sob as trevas frias.
Julião leva o homem para o outro lado,
dá-lhe comida, dá-lhe de beber,

aquece-o com seu corpo, na sua cama.
Encosta bem o corpo ao corpo nu
para esquentá-lo – é tão gelado o pobre!

O pobre que abraçou, com as estrelas
nos olhos, a Julião extasiado
era Jesus que o arrebatava aos céus.

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Isto é apenas um exercício, e um convite aos meus queridos leitores: releiam o conto São Julião Hospitaleiro, de Flaubert. Agora que relembraram a história, vejam o trabalho de linguagem de Flaubert - comprovando, agora e sempre: literatura é linguagem.

4 comentários:

BAR DO BARDO disse...

... literatura é linguagem...


literagem
linguatura


brandão é brando com ão embora inho

nydia bonetti disse...

Não li a Lenda de São Julião Hospitaleiro de Flaubert, JC infelizmente. Mas quanto à linguagem, tem toda razão. E há que ser autêntica. Abraço.

Fernando Campanella disse...

Somos vítimas da maldição às vezes de um pai, uma mãe, alguém que nos cria. Quando criança nossa mente está pronta a tudo incorporar. Julião encontra o amor universal na dor, quando se livra da obssessão. Bela lenda, com o toque do maravilhoso, do numinoso. Grande abraço.

Adriana Godoy disse...

Nossa, muito expressivos esses versos, uma interessante história que remete aos dias de hoje. Bela dica, JC. Beijo.