quarta-feira, 16 de setembro de 2009

O êxtase da poesia


Santa Teresa d'Ávila, de Bernini

Escrevi num poema (Poética Essencial, 2008) que eu “Escrevo para entrar em êxtase. / Escrevo para ver Deus.” Muita pretensão? Ninguém diria isso se São João da Cruz ou Santa Teresa de Jesus, grandes poetas, além de santos, tivessem escrito esses versos. Santa Teresa dizia que se policiava para não entrar em êxtase, que, por qualquer descuido, sentia-se transportada, pela força da oração, para fora da realidade. E São João da Cruz era o enorme poeta da Mística, que cantou as núpcias da alma com Deus.

Todavia não é outro o poder da poesia, a sua função é, em primeiro lugar, encantar, não pelo encanto em si, mas para, pelo encantamento, iluminar, extasiar, levar-nos a transcender a nossa pobre realidade. Não usei o verbo “extasiar”? Um verbo que usamos comumente para dizer que estamos encantados, iluminados, extasiados pela poesia. Extasiados, isto é, em êxtase.

A função da poesia é fazer-nos entrar em êxtase. É levar-nos a atingir a transcendência. O que é o Transcendente, em última instância? Deus. Por isso escrevi o nome Transcendente com maiúscula, porque estava escrevendo o nome de Deus. Por isso registrei que “Escrevo poesia para ver Deus.” É a pura e simples verdade. Ver Deus pode não ser tão extraordinário.

Li e reli várias vezes o capítulo “Êxtase em Óstia”, das “Confissões” de Santo Agostinho. Queria ver o que haveria de extraordinário nesse “Êxtase”. Santo Agostinho elevando-se do chão em companhia de sua mãe Santa Mônica, inebriados do amor de Deus, como se já não pertencessem a este mundo vil? Sem peso, etéreos, duas almas, dois corpos gloriosos, triunfantes, libertos das contingências da carne? Nada disso se via, nada de fora do normal estava acontecendo, nada do que achamos que é fora do normal. Apenas a mãe e o filho recém-convertido contemplavam a natureza de Deus.

Agostinho e sua mãe contemplavam a natureza, a beleza da paisagem, a criação maravilhosa de Deus. Não eram mais do que duas pessoas comuns olhando a natureza, encantadas, extasiadas com a poesia que viam no jardim e além, até o mais distante que poderiam imaginar. E esse mais distante que poderiam imaginar estava próximo, estava ali ao lado deles, mais do que isso, estava dentro deles. Compreenderam que o Criador, esse Ser tão distante, completamente inconcebível, estava ali junto deles, dentro deles.

Escrevi sem querer, mas acertando, que Agostinho e Mônica contemplavam a natureza de Deus. Eu me referia à beleza da paisagem que olhavam, que os rodeava. De fato o que Agostinho nos conta no seu “Êxtase em Óstia” é que ele e a mãe viram Deus. Não viram a natureza verde do jardim ou o infinito dos espaços azuis a se perder de vista, mas viram a natureza de Deus. Agostinho, quando escrevia, era poeta – e contou, com a mágica das palavras, como viram Deus.

Concordo que é muita pretensão, ver Deus. Mas qualquer conhecedor de poesia sabe que a sua função é transcender a realidade, é ver o invisível, é iluminar a noite escura da alma. A função da poesia é dar a ver Deus.

Não é preciso ser santo para ver Deus. É preciso ser poeta.

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9 comentários:

Graça disse...

"o poder da poesia, a sua função é, em primeiro lugar, encantar"... como concordo contigo.

Um magnífico texto, José Carlos.


Beijos meus.

nydia bonetti disse...

VERSOS NACIDOS AL FUEGO DEL AMOR

Vivo sin vivir en mí,
y de tal manera espero,
que muero porque no muero.

Vivo ya fuera de mí
después que muero de amor;
porque vivo en el Señor,
que me quiso para sí;
cuando el corazón le di
puse en él este letrero:
que muero porque no muero.

Teresa de Ávila

Amo a poesia de Teresa, José Carlos. Amei teu texto. Beijos.

Edson Bueno de Camargo disse...

Eu que nem creio, me reencontrei com o sagrado através da poesia.

Adriana Godoy disse...

JC, já ouvi dizer que o êxtase de Santa Teresa d'Ávila é um orgasmo, não sendo aceito por aqueles naquela época e inferiram como um êxtase divino. Não sei qual a função da poesia, ela extrapola os conceitos, ela é por si só a realidade revirada de uma forma mágica, enfim, ela é. Tão bonito o seu texto e arremata com uma frase linda: "o poeta é aquele que vê Deus". Bonito, dá vontade de acreditar. Beijo.

Sonia Schmorantz disse...

Ótima reflexão, um lindo texto!Pois se Deus está na beleza de tudo, então com certeza está na poesia também...
abraço

EDUARDO POISL disse...

Deus está em tudo na nossa vida e também na poesia, lindo texto.
Abraços

Fernando Campanella disse...

Bom dia, meu caríssimo amigo, já foi dito que ninguém sairia ileso após ver a face de Deus, ela nos destruiria. Seria como chegar bem perto do sol, ou mirá-lo indefinidamente: seríamos reduzidos a cinzas, ou nos cegaríamos. Mas , aproveitando e metáfora solar, vejamos a Deus, sim, no que a luz permite, nos mostra, e no que as sombras também nos revelam. A poesia, a arte em geral, nos traz esses vislumbres do Transcendente. Muito belo teu texto. Parabéns, abração.

NUMEROLOGIA E PROSPERIDADE disse...

Seu espaço é belíssimo. Parabéns.
saudações Florestais !

Unknown disse...

a poesia nos leva ao êxtase, sim, josé carlos

um beijo