segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Imanência e transcendência na poesia do mestre Brandão


capa de O Silêncio de Deus, 2009.


IMANÊNCIA E TRANSPARÊNCIA NA POESIA DO MESTRE BRANDÃO


Prefácio de O Silêncio de Deus, de J. C. M. Brandão, por

Luiz Vitor Martinello*


A Poesia brota dos dedos de Brandão. E como disse certa vez: “palavras que são coisas, com o saber de experiência feito, com os mestres, a quem chamamos clássicos, aprendida.”

A Poesia brota dos dedos de Brandão, iluminada: “pau, pau e pedra, pedra; ou bichos, árvores, terra e sangue.” “O poeta não escreve para dizer coisa nenhuma” – afirma com convicção – “mas para fazer”. E citando Ionesco: “entregar mensagens é trabalho do carteiro.”

O poeta não escreve para dizer coisa nenhuma, mas para fazer. Para fazer-se? Ao fazer seus poemas, Brandão faz-se. E mais: faz outros poetas quando, ministrando um curso de poesia, sugeridas as palavras “olhos, água, caminho, pássaro, flor, mesa “– ele que é prestidigitador delas – escreve, ensinando o caminho das pedras, que burila como só o fazem os verdadeiros poetas:

olhos
no caminho

uma flor
na água

um pássaro
sobre a mesa

Já em sua primeira obra, O Emparedado, Brandão anunciava sua procura: “na pedra mais dura / forjar um estilo” em busca da “palavra mais pura”.

Intrometo-me em um de seus poemas, recorto-lhe alguns versos (pura heresia) a substância em minhas mãos, plena, cantiga de enamorados, numa dimensão outra, inefável, candidamente erótica, magia absoluta:

Você olhava o sol poente.
Você queimava.
Eu não olhava os seus olhos,
seria a perdição.
Eu segurava os seus seios,
queimavam.
Maçãs encarnadas
pulsando, derretendo os meus dedos.
Candelabros
iluminando a noite.

Aliás, já em Emparedado percebemos a variedade de formas de que Brandão se ocupa em seu ofício, cada poema como pedra preciosa exigindo particular artifício: redondilhas, decassílabos, alexandrinos, oitavas, sonetos, tercetos, dísticos, aliterações, e também versos brancos, rimas consoantes, toantes, e estrofes que são verdadeiros haicais:

Por breve momento:
O tempo não era o tempo:
de tão antigo.

Em seu segundo livro Exílio, dê-se registro às palavras de abertura: “Por toda a grandeza do universo, do tempo ou do amor, eu quis a mágica da ascese, um vôo secreto na febre do sangue. O poeta sonha a forma do espírito”.

Suponho, ao ler esse fragmento, que Brandão conceba dois mundos: este - o da nossa miserabilidade, um exílio desgraçado, no sentido de termos sido desprovidos da graça (não somos anjos caídos?) e o de nossa origem, qual o mundo das idéias de Platão - ao qual ansiamos por voltar. São palavras do poeta em Exílio:

Dura mão abateu-se sobre nós.
Feriu—nos, castrou-nos.
E somos pobres como o olhar de um animal acuado.

Por isso o poeta assinala:

Não durmo. Duro
na noite em que me encontro
de mim ausente.

Ou, numa variação de imagens, o mesmo:

Um piolho
Mil piolhos me roem
O cérebro. Em frangalhos
Serei eu mesmo, o que escreve
Ou o que vive o estupor?

Só a ascese nos devolverá o Paraíso perdido, só a Arte pode, desejando criar o Belo, nos dar momentos de transfiguração, de transcendência para além desse mundo de sombras e espectros. Assim, para Brandão cada poema é uma elevação da alma, sua construção funcionando como um exercício de ascese, de elevação do espírito, uma verdadeira simbiose entre o aperfeiçoamento do poema e da alma.

No livro Poemas de Amor (que tem na contracapa um poema a mim ofertado, sempre meu muito obrigado, caríssimo Zé) parece-me que Brandão tirou umas férias dessa existência sacrificial, assumindo despudoradamente o cotidiano mais prosaico, e paradoxalmente, contente dele, elevando-o à mais alta poeticidade, talvez por que, escolhido o Amor como tema, seja este o único resíduo de nossa contingente e abatida divindade a nos possibilitar algum alento de antevisão do Eterno:

O amor ordena a casa apagada,
a mesa, o fogão, a cama aconchegante,
a fogueira à beira do lago,
os nossos corpos unidos,
a nossa alma que se eleva.

Ou:

Um dia você tirou a roupa,
eu abaixei os olhos.
Você tirou o corpo, me deu.
Eu me ajoelhei.
[...]
E o espírito de Deus pairou
Sobre as águas.

Sabedor, agora, de outro caminho, o da Plenitude (“os amantes cruzam o umbral do tempo: em breve seremos eterno”s) Brandão já não mais recrimina este mundo; faz mesmo dele ante-sala, tempo de espera e com ele se compraz:

Deus pasce do alto.
A ovelha bale fora do aprisco
e volta.
O mundo é grande
e calmo cristal
onde brilha a face de Deus.

Há mesmo em seus últimos poemas (ainda inéditos em livro) uma complacência serena e sábia com este mundo em que:

As siriemas bicam o dia
na porta
da cozinha.

Essa antevisão da Plenitude aqui e agora na mais cotidiana realidade é reveladora definitiva da ascensão do poeta, já então estranho aos mortais comuns:

A luz me libertou da pedra.
Atravessei o rio subterrâneo,
atravessei o túnel escuro.
Cego de tanta luz,
eu me prostrei: Estou pronto, Senhor.
Quando me levantei,
era mais um estranho na terra.

Dessa estranheza sagrada de que é feita a alma dos grandes poetas.

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*Luiz Vitor é o poeta mais conhecido de Bauru, autor dos livros de poesia “Mãos nos bolsos”, “Os anjos mascam chiclete”, “Lixeratura”, “Me apaixonei por mim mas não fui correspondido” e dos infanto-juvenis “O sapato que sabia andar” e “O penuginha”.

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Peço desculpas aos amigos, elogio em boca própria é vitupério, mas eu não pedi ao Vitor para falar bem de mim. Já que ele escreveu, eu mostro.

O Vitor fez este ensaio há uns dois anos, mas cabe bem como prefácio de O Silêncio de Deus.

O Vitor foi generoso demais, chega a chamar-me de grande poeta, porque é meu amigo, mas também soube captar o que há por trás ou por dentro do que escrevo: a ânsia de transcendência.

Estou lançando O Silêncio de Deus pela internet, com impressão sob demanda, um tipo de edição que chegou ao Brasil somente neste ano.

Quem quiser adquirir um exemplar, basta fazer o pedido que o seu livro será impresso em São Paulo e, dentro de 5 a 10 dias, chegará pelo correio.

O grande problema da poesia é a falta de divulgação. Com este método, os livros poderão ser bem divulgados em blogs e sites.

Quem quiser conhecer mais, pode clicar no título deste texto – Imanência e Transcendência... – ou na barra à esquerda do blog.

Um grande abraço.

18 comentários:

BAR DO BARDO disse...

Também sou seu amigo, Grande Poeta.

Sucesso na empreitada!!!

Mariana Botelho disse...

Um livro novinho em folha! Parabéns, José Carlos! Sucesso!

Graça disse...

Maravilha... saber-te assim dito, pela mão de quem te conhece bem. Eu saio em admiração constante.

O maior sucesso para o teu livro.

Um beijo com carinho, deste lado de cá.

nydia bonetti disse...

Oba! Desejo sucesso, Brandão! Logo mais vou encomendar um pra mim. Super interessante este tipo de edição, não? Confesso que não conhecia, mas me parece uma grande idéia. Beijo!

Adriana Godoy disse...

Belo prefácio, JC. O seu amigo poeta soube dizer e transcender a sua obra. Faz jus ao seu talento, à sua poesia. Muito bem escrito. Quanto ao livro, só posso desejar sucesso. Bj

Cris Animal disse...

Melhor poeta de Bauru?
sei, não....rs

José, um livro é um filho, uma criação, um pedaço de nossa alma que expomos a todos como forma de manifesto, prazer e amor. Bem vinda mais esta obra.
Essa, eu preciso ler na íntegra.

A fotografia é qualquer coisa de indescritível. Maravilhosa.


Pena que as pessoas realmente leaima cada vez menos. Triste isso. Não sei como será daqui uns vinte anos...se tivermos esse tempo!

beijo e bençãos no SILÊNCIO DE DEUS

Talita Prates disse...

"O poeta não escreve para dizer coisa nenhuma, mas para fazer."
Para fazer-se!, com certeza!

Muito sucesso, pois será merecido!

Bjo.

Fred Matos disse...

Ótimo prefácio para um livro que - pelos poemas que já li - merece todos os elogios.
Parabéns!
Grande abraço

isabel mendes ferreira disse...

encantada.


como sempre.



parabéns.

forte abraço.

byTONHO disse...

Caro J. C. Brandão

"Não durmo. Duro
na noite em que me encontro
de mim ausente"

Lindo isto poeta!

Parabéns pela "cria"!

Abraços!

Cris Animal disse...

José, voltei aqui pq a Sonia me disse que essa fotografia é sua. Como vcs dois são talentos infindáveis, às vezes não sei onde é um ou outro....rs

Que fotografia mais linda. Minha nossa!
Parabéns por tudo.
Parabéns por esse caminho que vcs dois andam tão cheio de vida, alma, respostas que o vento dá, perguntas que o coração sempre faz, porque é atento, vivo e caminha junto nesse mistério sim, que se chama DOM.

Quero seu livro!
Como faço para comprá-lo?
Onde estará à venda? Na internet?

Beijo pra vc

José Carlos Brandão disse...

Cris querida,

Sensibilizados com suas palavras. Muito obrigado mesmo.

Como comprar o livro? Onde estará à venda?
Será que não expliquei bem? Vá na barra lateral do blog, clique e será encaminhada ao Clube de Autores.

O processo de impressão de cada exemplar pedido -

de venda -

e entrega por e-sedex

está a cargo do Clube de Autores.

Nem eu tenho ainda (levam até 3 dias para imprimir cada exemplar) ao meu exemplar em mãos para garantir que ficou bonito. Os poemas eu garanto que escolhi com amor - e boa dose de razão crítica, que não exclui o amor.

Um beijo,

JC.

José Carlos Brandão disse...

Correção: o meu exemplar em mãos...

Esse "a" (de "ao meu exemlar") se intromete entre meus dedos...

Otelice disse...

Parabéns.
Sucessos!

Maria Maria disse...

Parabéns por esse filho maravilhoso!!!!!

Beijos, poeta amigo!

Maria Maria

Fernando Campanella disse...

Bom dia, Brandão. Que maravilha o texto do Luiz Vitor, que maravilha a apresentação de tua obra, e que maravilha os poemas teus que ele tão apropriadamente cita:

"Você olhava o sol poente.
Você queimava.
Eu não olhava os seus olhos,
seria a perdição.
Eu segurava os seus seios,
queimavam.
Maçãs encarnadas
pulsando, derretendo os meus dedos.
Candelabros
iluminando a noite."

"Não durmo. Duro
na noite em que me encontro
de mim ausente."

"O amor ordena a casa apagada,
a mesa, o fogão, a cama aconchegante,
a fogueira à beira do lago,
os nossos corpos unidos,
a nossa alma que se eleva."

Lindos poemas, meu amigo.


Muito boa, meu caríssimo amigo, a apresentação de tua evolução poética está muito bem apresentada, ao nível que você merece.
Fiquei muito feliz, meu grande amigo em poesia. Desejo a vc toda felicidade e reconhecimento no lançamento do livro. Parabéns.

Abração.

lírica disse...

Brandão
Você é mestre, tua poesia é maravilhosa!
Te desejo o melhor do mundo!
bj e muitos parabéns
Lírica

Eliana Mora [El] disse...

"Não durmo. Duro
na noite em que me encontro
de mim ausente."

O que te digo? Uma coisa de Pessoa, e muita de pessoa...tu.

'Durar' --- algo que existe sem existir, mas continua; sei eu que é ruim.

Gosto, gosto muito de tudo isso.
beijo.