quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Epifanias do exílio – a Miroslav B. Dušanić



EXÍLIO

O cheiro de cipreste
lembra o esquecimento.

Vem do Norte
o frio da aflição.

As canções das laranjeiras floridas
viajam nas asas das andorinhas.

____________________

SALMO

Logo será meu tempo:
o que eu tenho de céu
brilhará
sob as raízes das árvores.

_________________

ELEGIA

O leve chuvisco das minhas lágrimas
molha a terra com doçura.
Aumenta a minha dor.

__________

ESTRANGEIRO

Todos me olhavam como um estranho.
Ninguém entendia a minha língua,
nem a minha angústia.

_________

AUTO-DE-FÉ

Pus as minhas asas para secar ao sol.
Queimaram.

Restou apenas um punhado de cinza
sob o céu de vidro.

_________

ENFORCADO

Enforcado no teto da minha casa,
conheço quanto é longa a morte.

______________________

EPIFANIA

Proibido comer estes poemas.
Proibido beber.

São de algum pássaro louco,
são do fogo.

Você poderá, talvez,
ouvi-los uma vez
e depois morrer.

Poderá, enfim, vê-los queimando no fogo
na mesma fogueira
em que você estará se queimando.

__________

MEMÓRIA BRANCA

Uma faca cravada na parede.

______________

O primeiro destes poemetos foi comentário a um poema de Miroslav B. Dušanić - http://miroslavdusaniclyrik.blogspot.com/ -
e me sugeriu os outros.

14 comentários:

Fernando Campanella disse...

Tudo muito bonito aqui, Brandão, tudo 'muito poesia'. Particularmente, o salmo, agora sou eu que digo: "de dar inveja", boa inveja, é claro, rs... maravilha. Grande abraço.

SALMO

Logo será meu tempo:
o que eu tenho de céu
brilhará
sob as raízes das árvores.
(José Carlos Brandão)

Olha, envio-te um poema que fiz há uns dois anos sobre o cipreste tb.

MILAGRE

Eu caminhava entre árvores
espremendo nos dedos
o mudo cipreste, roçando
um acridoce olfato
ao silêncio de meu nariz.

Ali entre cúmplices imagens,
onde a sombra me sabe
e o sem- fundo do lago me diz,
no frescor do mais incontido sumo,
cheirei a poesia, assim do nada,

e caminhei sobre as águas,
o naufrágio por um triz.
(Fernando Campanella)

2 de Setembro de 2009 13:55

BAR DO BARDO disse...

até quando comenta
- meu deus -
sabor de pimenta...

Victor Gil disse...

Amigo J.C.
Como sempre lemos por aqui execelentes poemetos, como tu lhes chamas. Em resposta ao teu Auto-de-Fé, só tenho a dizer o seguinte.

AUTO-DE-FÉ

Depois da queimada
o negro do nada
o frio
do estio.

Um abraço
Victor Gil

Lídia Borges disse...

Poemas de saborear sem comer,
de refrescar sem beber, de fogo sem queimar de ler e ficar a pensar no que as palavras são capazes de nos dar.

um beijo

Adriana Godoy disse...

JC, a inspiração veio e você soube fazer dela intensos e belos versos e cada um aponta sentidos que vão da dor até a mais profunda beleza. Me encantei mais uma vez. Beijo.

Pedro Luso de Carvalho disse...

EPIFANIA

Proibido comer estes poemas.
Proibido beber.

São de algum pássaro louco,
são do fogo.

Você poderá, talvez,
ouvi-los uma vez
e depois morrer.

Poderá, enfim, vê-los queimando no fogo
na mesma fogueira
em que você estará se queimando.

*********************************

CARO BRANDÃO,

TODOS OS SEUS POEMAS DESTA POSTAGEM SÃO EXCELENTES, MAS EPIFANIA FOI O ESCOLHIDO POR MIM PARA SER TRANSCRITO NESTE ESPAÇO.

UM ABRAÇO.

Talita Prates disse...

Olá, José!
Vim agradecer a visita, e dizer que: sim! o título do meu blog parafraseia o título do livro de Thérèse Martin, a santinha das rosas. Em outros tempos, fui muito devota a ela, inclusive li a "História de uma alma" e outros livros biográficos.
Será mesmo que ela assinaria certas frases de Clarice? Tenho cá minhas dúvidas... rs. Mas acredito que, assim como Clarice, Teresinha tenha sido uma "estrangeira", aos moldes do que bem ilustra seu poemeto "Estrangeiro".
Um grande abraço!
Talita.

Solange Maia disse...

Você poderá, talvez,
ouvi-los uma vez
e depois morrer.

Epifania...
Efêmero...
Fugaz...

Fui consumida por suas letras....

Ah...

Belo demais...

Beijo

Unknown disse...

ainda bem que comentaste assim o poema de Miroslav B. D. ...

(vou também ler este poeta. obrigada.)

um beijo

lírica disse...

Brandão
Me encantei com tuas palavras.
Lindo aqui
Lírica

nydia bonetti disse...

José Carlos

Queria escrever como você... Mas não tem jeito. Ninguem escreve como JC. :) Lindíssimos.

beijos

cristinasiqueira disse...

José carlos,

Tomado pela poesia em fluxo idílico,tormentoso.pungente.Dramático.
Inspiração cravada na tela virtual.

Belo.

Com admiração,

Cris

Memória de Elefante disse...

Eu também!!!( sobre o que tens sobre a camiseta)

Efigênia Coutinho ( Mallemont ) disse...

ELEGIA

O leve chuvisco das minhas lágrimas
molha a terra com doçura.
Aumenta a minha dor.

COISA LINDA O POETA ESCREVEU , MEUS CUMPRIMENTOS,
EFIGENIA COUTINHO