quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Thoreau e Manoel de Barros




“Já conhecemos a Sociedade para a Difusão do Conhecimento Útil. Dizem por lá que conhecimento é poder e coisas desse gênero. Eu penso que precisamos também de uma Sociedade para a difusão da Ignorância Útil, o que podemos chamar de Conhecimento Belo, um conhecimento útil num sentido mais elevado: pois o que vem a ser maior parte de nossa decantada e apregoada sabedoria senão a presunção de conhecer alguma coisa, presunção essa que nos priva da vantagem da autêntica ignorância? Frequentemente o que consideramos conhecimento é nossa ignorância positiva, sendo a ignorância o nosso conhecimento negativo. Depois de longos anos de trabalho e leitura de jornais – o que são as estantes da ciência senão arquivos de jornais? – um homem acumula uma miríade de fatos, empilha-os na memória; depois, quando em alguma primavera de sua vida resolve vagabundear até os Grandes Campos do Pensamento, ele por assim dizer cai de quatro e pasta na grama como um cavalo, deixando no estábulo todos os arreios. Gostaria de dizer, às vezes, para a Sociedade para a Difusão do Conhecimento Útil: caiam de quatro e pastem na grama. Há tempo demais vocês estão comendo feno. A primavera chegou e trouxe o verde às vegetações. As próprias vacas buscam as pastagens mais retiradas ainda antes do fim de maio; mas já ouvi falar de um fazendeiro desnaturado que mantinha sua vaca presa no celeiro o ano inteiro alimentando-a com feno. É assim que muitas vezes a Sociedade para o Conhecimento Útil trata seu gado.”
A ignorância às vezes é não apenas útil, mas linda; a chamada sabedoria é frequentemente pior do que inútil, além de horrorosa.”

H. D. Thoreau – Desobedecendo – Círculo do Livro – São Paulo, s/d.

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Não costumo postar textos alheios, trabalhando para a Difusão do Conhecimento Útil, afinal, mas não aguentei quando li Thoreau com o sabor verde das coisas de Manoel de Barros. Achei o máximo, é fabuloso o parentesco destes dois poetas e gênios.

No parágrafo anterior Thoreau diz: “Os espanhóis (lembremos que Thoreau é poeta e não cientista, tem compromisso com a beleza e não com a verdade) possuem uma ótima expressão para indicar esse conhecimento selvagem e sombrio: gramática parda...” Um dos belíssimos títulos de Manoel de Barros é Gramática Expositiva do Chão, nome-irmão da gramática parda de Thoreau.

6 comentários:

Lídia Borges disse...

"A ignorância às vezes é não apenas útil, mas linda; a chamada sabedoria é frequentemente pior do que inútil, além de horrorosa"...

Concordo plenamente!
Muito interessante o texto escolhido

Obrigada pelas palavras deixadas nas searas.
L.B.

Angela Ladeiro disse...

Podemos e devemos postar o que de bom existe, para informar quem se interesse. Adorei vir aqui. É mesmo fabuloso! Será esse o termo...

Adriana Godoy disse...

Ótima e expressiva escolha. Vou ler de novo. beijo.

Cris Animal disse...

José, meu Amigo, imperdível realmente a leitura desse trecho. Fantástica.

Isso me lembra a sabedoria daqueles "velhos" de cidadezinhas esquecidas em nosso mapa que da cadeira colocada na calçada de terra falam sobre a vida da forma mais primitiva e crua. Você escuta e sai dali com a nítida sensação de que perdeu algum espaço tempo enorme na sua vida.
Santa e doce ignorância que não pode morrer.

Beijo pra vc, Poeta!

Fernando Campanella disse...

Maravilha o texto de Thoreau, não o conhecia. Creio que ele fala muito bem , e muito bonito, sobre o que poetas, artistas em geral, sentimos. Somos, de alguma maneira, portadores dessa ignorância útil, dessa feliz 'loucura' da alma que se expressa naquilo que criamos.

Grande abraço.

nydia bonetti disse...

Não conhecia isto, JC. Que texto incrível.

beijo!