sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

O perfume das uvas




O perfume das uvas sob o sol de outubro.
O rio cresce, as águas se avolumam, destroem
                                as barrancas e as locas dos peixes.
As águas correm dentro das árvores, correm dentro de nós.
As nossas raízes se vão com as águas vorazes.
E as uvas perfumam a tarde sob o sol do outono.

Os abismos do mar deságuam por nós a dentro.
No canto selvagem do mar a voz do afogado,
estrangeiro como nós, sem pátria como nós.

O sal do mar nas pétalas caídas no altar.
O grito do gavião nas fauces do mar.
As vagas morrem na areia, os rochedos cobertos
                           de espumas, lágrimas escorrendo.
O mar uiva, as uvas perfumam a montanha.

Vou deixando as minhas pegadas na areia da praia,
pesadas, com sombra.
Cai a sombra na minha alma.
Logo se apagam as pegadas.
Um sino tange o tempo antiqüíssimo e sempre novo.

As gaivotas trazem o mar nas asas.
As árvores em chamas despencam no mar.
Flores voam no ar do verão.
Espumas e sangue escorrem do rochedo dos mariscos.
Um navio joga grossas ondas contra a ilha.
Línguas de fogo elevam-se da terra.

Este é o tempo dos mortos.
As mulheres se abrem aflitas para o céu.
Desfia-se o tecido das coisas.
Não somos. Sombras que a sombra devora.
Ouvi a voz dos mortos, como sementes,
brotando à borda dos poços.
Os vinhedos já não estão ao sol, as uvas
ainda perfumam os pássaros, as águas, os peixes.
O sino tange no horizonte, com sangue.



7 comentários:

Mar Arável disse...

As gaivotas trazem o mar nas asas

É verdade

eu vi

Luiza Maciel Nogueira disse...

o céu abriga essas belas particularidades

beijos

Adriana Godoy disse...

As uvas, os sombras, as flores, o poeta! Lindo! beijo

Edson Bueno de Camargo disse...

Estamos fadados a ser poetas e conversar com os mortos.

Ana Lucia Franco disse...

O tecido das coisas é desafiado, tempo de mudança, de nova compreensão de nós, novas experiências, interação com a água das árvores, com os abismos do mar. Que poema lindo, forte, rico em imagens.



beijos.

Unknown disse...

José Carlos!

Esse é dos meus! Forte e verdadeiro com a natureza como um manto a cobrir poema e poeta!

Beijos, poeta!

Mirze

byTONHO disse...



♫ Comendo UVA na chuva...♪

Aguaceiro... água se RIO!

P.S.:
Na imaGem o "3 em 1"
espera o LP,
o puro som do viníl ou uma fita boa pra Kassete...

:)