terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

O ESTRANHO



                                                                    
O ESTRANHO


O dia amanhece carregado de pássaros.
O canto dos pássaros vai romper o silêncio das dálias.
É meu o cavalo. É minha a montanha.
É minha a rosa perdida no barco do olvido.

Todos os caminhos levam ao deserto.
A faca na garganta ilumina a cicatriz do enigma.
Pairo sobre as vagas do mar eterno e vejo Deus.
Ergo o cálice dourado e bebo o vinho da rosa.

As palavras são duras como pedras.
Estou com as mãos feridas de tanto lavrar as palavras.
Envelheço. Um estranho me olha do espelho.
Devoro as pedras do estigma.

Anoitece na casa vazia. Há um lugar vago
no álbum de retratos. Em breve serei antepassado.
Ouço a voz de Deus. O verbo de Deus me chama.
O sopro de Deus outra vez molda a minha forma na argila.



11 comentários:

Luiza Maciel Nogueira disse...

moldar a forma do verso, do rosto, da vida :) pra isso somos feitos. Deus chama sim. Lindo.

beijos

Eleonora Marino Duarte disse...

estupendo!


sua poesia transcendeu.


um beijo.

dade amorim disse...

"O sopro de Deus outra vez molda a minha forma na argila". Maravilha, José Carlos. Também serei breve uma antepassada. É quase incrível, mas é a verdade terrível que não desvia os olhos de nós.

Beijo pra você.

Claudia Almeida disse...

"Há um lugar vago no álbum de retratos."
Quem morreu?

Bjs

Unknown disse...

JOSÉ CARLOS!

Um dos seus melhores poemas!

Excelente!

Beijos, poeta!

Mirze

Fernando Campanella disse...

Entro em meu redemoinho, no turbilhão de minhas pulsões, sinto que me afogo, mas a mão de um Deus essencial me acaricia como me dizendo com sua palma macia: "Sossega, meu coração, tu vives no seio da mãe do universo".
Belas e sábias as palavras do Tao, acima, Brandão, assim como as tuas.
Grande abraço, meu imenso amigo.

Art'palavra disse...

"Em breve serei antepassado.
Ouço a voz de Deus. O verbo de Deus me chama.
O sopro de Deus outra vez molda a minha forma na argila."

Carlos Brandão: guardarei estes versos para não esquecer que o verbo é Deus a soprar vida em nós: a argila.
Paz e bem.

Zélia Guardiano disse...

José Carlos
Que honra recebê-lo no meu modesto espaço!
Venho agradecer e deparo com este "Estranho", que me deixa encantada.
Para me arrebatar, bastaria um verso: " O canto dos pássaros vai romper o silêncio das dálias".
No entanto, para meu gáudio, há outros, que vou ler, reler e ler sempre, de novo...
Lindo demais!
Abraço.

Talita Prates disse...

talvez o Deus nos molde em cada inspiração/expiração.

lembrei-me de Orides Fontela, quando poema:

"Tudo
será difícil de dizer:
a palavra real
nunca é suave.

[...]

Não há piedade nos signos
e nem o amor: o ser
é excessivamente lúcido
e a palavra é densa e nos fere.

(Toda palavra é crueldade.)"

um beijo, poeta!

Talita
História da minha alma

Anônimo disse...

Caro Brandão

que belos versos
nos presenteias

doloridos (sabemos)
de uma loucura santa
de uma lucidez aguda
de esperança sem fé

grato pela beleza!

Fred Caju disse...

Brandão, sensacionais os teus versos. Vou fazer uma varredura por aqui e revirar seu baú. Muito bom, poeta!

Abraços,
Caju.