O ESTRANHO
O dia amanhece carregado de pássaros.
O canto dos pássaros vai romper o silêncio das dálias.
É meu o cavalo. É minha a montanha.
É minha a rosa perdida no barco do olvido.
Todos os caminhos levam ao deserto.
A faca na garganta ilumina a cicatriz do enigma.
Pairo sobre as vagas do mar eterno e vejo Deus.
Ergo o cálice dourado e bebo o vinho da rosa.
As palavras são duras como pedras.
Estou com as mãos feridas de tanto lavrar as palavras.
Envelheço. Um estranho me olha do espelho.
Devoro as pedras do estigma.
Anoitece na casa vazia. Há um lugar vago
no álbum de retratos. Em breve serei antepassado.
Ouço a voz de Deus. O verbo de Deus me chama.
O sopro de Deus outra vez molda a minha forma na argila.
11 comentários:
moldar a forma do verso, do rosto, da vida :) pra isso somos feitos. Deus chama sim. Lindo.
beijos
estupendo!
sua poesia transcendeu.
um beijo.
"O sopro de Deus outra vez molda a minha forma na argila". Maravilha, José Carlos. Também serei breve uma antepassada. É quase incrível, mas é a verdade terrível que não desvia os olhos de nós.
Beijo pra você.
"Há um lugar vago no álbum de retratos."
Quem morreu?
Bjs
JOSÉ CARLOS!
Um dos seus melhores poemas!
Excelente!
Beijos, poeta!
Mirze
Entro em meu redemoinho, no turbilhão de minhas pulsões, sinto que me afogo, mas a mão de um Deus essencial me acaricia como me dizendo com sua palma macia: "Sossega, meu coração, tu vives no seio da mãe do universo".
Belas e sábias as palavras do Tao, acima, Brandão, assim como as tuas.
Grande abraço, meu imenso amigo.
"Em breve serei antepassado.
Ouço a voz de Deus. O verbo de Deus me chama.
O sopro de Deus outra vez molda a minha forma na argila."
Carlos Brandão: guardarei estes versos para não esquecer que o verbo é Deus a soprar vida em nós: a argila.
Paz e bem.
José Carlos
Que honra recebê-lo no meu modesto espaço!
Venho agradecer e deparo com este "Estranho", que me deixa encantada.
Para me arrebatar, bastaria um verso: " O canto dos pássaros vai romper o silêncio das dálias".
No entanto, para meu gáudio, há outros, que vou ler, reler e ler sempre, de novo...
Lindo demais!
Abraço.
talvez o Deus nos molde em cada inspiração/expiração.
lembrei-me de Orides Fontela, quando poema:
"Tudo
será difícil de dizer:
a palavra real
nunca é suave.
[...]
Não há piedade nos signos
e nem o amor: o ser
é excessivamente lúcido
e a palavra é densa e nos fere.
(Toda palavra é crueldade.)"
um beijo, poeta!
Talita
História da minha alma
Caro Brandão
que belos versos
nos presenteias
doloridos (sabemos)
de uma loucura santa
de uma lucidez aguda
de esperança sem fé
grato pela beleza!
Brandão, sensacionais os teus versos. Vou fazer uma varredura por aqui e revirar seu baú. Muito bom, poeta!
Abraços,
Caju.
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