segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

O tempo escorre dos cabelos




O tempo escorre dos cabelos

O tempo não existe para o meu avô.
Chega um tempo em que não é mais o tempo
De preparar a terra, calcular a lua, a chuva, plantar e colher.
Chega um tempo em que o homem é a colheita.

O meu avô olha o horizonte, resmunga: ara!
Chega um tempo em que não somos do tempo,
O cachorro do eterno ronronando, mordendo
O calcanhar. E somos cavalos trôpegos, inúteis.

O tempo escorre dos cabelos do meu avô
Que morreu com noventa e dois anos de idade
Depois de muitos relógios quebrados.

Um minuto basta para acariciar o cachorro
Ou para morrer e continuar no tempo,
A mão no pelo do cachorro, na morte prolongando a vida.

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13 comentários:

Júlio Castellain disse...

...
Bela mensagem.
Abraço.
...

Marcelo Novaes disse...

Teu poema me inspirou isso aqui:

Minha avó tem a idade da terra preta.
Minha avó tem a pele seca como argila, os sulcos da colheita falida,
a erosão dos aros do plantio,
pelas frestas e ventas da Maior Terra.

[E a respiração tão rente...]

Minha avó tem a idade do Lugar que Não Anda [ainda que os pés girem, ainda que toque a música].



Minha avó tem a idade de quem tem fundas raízes. E tão prenhes de Eternidade, que ainda não teve autorização para morrer.




Abração,





Marcelo.

José Carlos Brandão disse...

Gostei, Marcelo. Gostei mesmo. Um poema com coisas, concreto, sente-se a terra, a argila, a semente - querendo ter vida. É isso que venho tentando dizer nos meus poemas - nesses poemas de um livro que venho montando, de poemas telúricos. A presença da terra apesar de tudo. A necessidade de raízes.
Abraços.

chica disse...

Teu poema é emocionante e faz pensar em como podemos nos ater ou não ao tempo,esse que insiste em passar e muitas vezes não nos deixa ver o cachorrinho que passa...e tantas outras coisa.Lindo!abraços,tudo de bom e a imagem está linda!chica

Primeira Pessoa disse...

bela foto... belo texto... belo blog...
parabéns.

abração do
roberto.

Adriana Godoy disse...

JC, essa relação do tempo com as coisas tão simples que esquecemos de olhar no tempo. Belíssimo poema, uma sensibilidade e delicadeza, uma ternura, embora a morte. Lindíssimo mesmo. Me comoveu bastante. beijo.

LLEAL disse...

Como escritor, rendo-me as suas qualidades de reunir imagens e palavras.
Parabéns.
Coloco-me como seguidor e deixo em aberto o convite de colocar-se entre nosso grupo de amigos

www.llealenglishcourse.blogspot.com

LLEAL

Victor Gil disse...

Amigo J. C.
Os nossos avós têm destas coisas: resmungam, partem relógios, calculam o tempo olhando o céu, mas depois têm aquela coisa de morrerem muito velhos, para nos deixarem a sua sabedoria, aprendida no tempo que calcularam.
Bonita homenagem aos avós.
Um abraço
Victor Gil

BAR DO BARDO disse...

Você é um homem em estado de Poesia...

Morro de inveja!!!
Que raiva!!!

Anônimo disse...

um bonito soneto :) beijinho.

Sonia Schmorantz disse...

Entre a vida e a morte, a fronteira pode ser de menos de um minuto...
Lindo este poema!
um abraço, ótima semana

Fernando Campanella disse...

Excelente esta sequência:

Chega um tempo em que não é mais o tempo
De preparar a terra, calcular a lua, a chuva, plantar e colher.
Chega um tempo em que o homem é a colheita.

...O meu avô olha o horizonte, resmunga: ara!
Chega um tempo em que não somos do tempo,
O cachorro do eterno ronronando, mordendo
O calcanhar. E somos cavalos trôpegos, inúteis...

E eu completo: Chega um tempo em que a vida se sabe suave, atemporal esquecimento.


Grande abraço, meu amigo.

Verânia Aguiar disse...

lindo :D adorei, muito profundo