quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Página de diário



Abri a janela e vi um avião,
a tarde estava azul
no céu, mas
verde no morro, nas árvores, no pasto, nos bois.
A terra é vermelha,
branca em Bauru, dizem,
mas é verde quando meus olhos estão pastando
e vermelha quando meus pés pisam,
se afundam,
navegam entre os pés de café, as jabuticabeiras e a beira
dos córregos verdes da infância.

Olho o avião e me vejo plantado na paisagem,
no galope do cavalo,
uma fruta na boca, outra na mão
e respingando terra úmida
– de calças curtas –
nas ruas por onde ando.

Trago na carne os perfumes da vida
que vivi, sonhei, pisei, escarrei
– a minha vida cuspida e escarrada na palma da mão
eu vos ofereço, ó príncipes, meus irmãos.

Não sou todo mundo
nem ninguém, sou
a razão da minha emoção
ao sol e à chuva,
nudez, equilíbrio, brilho do orvalho
na corola da flor ou na bosta das vacas.
A minha poesia tem a pureza de uma laranja
brilhando no alto da laranjeira
ou apodrecendo no prato esquecido no alto do armário.

Um peso na balança
na noite, no centro
do dia, o poema é um fruto sempre maduro
que apodrece, se esquecido
no alto do que for.
Eu sou a voz que fica no poema
mesmo se apodrecido,
voz perene.

Dentro
do poema, o coração
com a sua régua e esquadro. Que bela
a vida de cada dia
retalhada como a carne no açougue
– tão vulgar!
e tão doce,
tão alma.

Tenho a presença de Deus no fundo dos olhos
dormindo,
pisca-piscando como um vaga-lume
ou brilhando tanto que, por isso, não se vê.

Sou pobre
como um cisco,
a galinha no quintal,
o cachorro roendo um osso,
o mendigo como um anjo atravessado no caminho
e sou rico
como a água, o pássaro, o jumento
porque tenho a poesia na ponta da língua
e às vezes sei disso.

_________

8 comentários:

Anônimo disse...

Que lindeza de poema!
bjs.

BAR DO BARDO disse...

Sua cara, meu caro!

:)

(Ei, rsrsrs, eu não disse que gostava do JCMN. Mas posso dizer, por exemplo, que adoro Murilo Mendes - apesar de suas "experiências" concretistas! O MM das primeiras águas e das absurdidades líricas é adorável. Abraço, Mestre!)

lírica disse...

Brandão

Bom foi ouvir tudo isto que escreveu, hoje sou mais feliz!
Bom dia poeta!

Lírica

Luiza Maciel Nogueira disse...

Lembrei de Chico Xavier que falava que era apenas um cisco. :)!

Paz e Luz!

Sonhadora (Rosa Maria) disse...

Lindissimo poema...gostei muito.

Beijinhos

Sonhadora

Anônimo disse...

um poema muito bonito, josé carlos, com as incertezas e as interrogações dos nossos corações, e a emoção à flor da pele. um abraço.

Fernando Campanella disse...

... tenho a poesia na ponta da língua
e às vezes sei disso.

Que achado, meu amigo, muito bonito, lírica cotidiana e bela. Grande abraço. Ah, lindas fotos também.

Marcelo Novaes disse...

Brandão,




Claro que sabe...




;)




Dizem que, em Bauru, é branca a terra...







Abraços,










Marcelo.