Quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha? Um jornalista se meteu a escrever sobre esse velho assunto inútil. Eu já pensei lá comigo: “Política é a arte de enfiar a mão na merda”, como disse Otto Lara Resende, e esse cara prefere falar do cu da galinha do que do próprio, aliás, do que do dos políticos. A notícia dominante é a política, oras.
Logo vi, porém, que o cara falava sério. E tasca comentário de pesquisas científicas concludentes: o ovo nasceu primeiro. Passou por uma série de mutações genéticas, desde um primitivo ovo de réptil ou peixe, até se tornar ovo de galinha. Grande descoberta! Que vamos fazer com ela? Proclamar que então Deus não criou a galinha, portanto Deus não existe?
João Cabral de Melo Neto escreveu uma série de poemas sobre o ovo de galinha. Não queria provar nada, não queria investigar o que havia dentro do ovo, qual a sua origem, nenhuma questão metafísica. Falou do ovo externamente, como um objeto que se pode manusear.
Falou do ovo como falou do relógio ou da cabra. Aliás, falou do relógio como falou da cabra. Não há como falar de relógio sem falar do tempo e todas as suas implicações, como se todos fôssemos mesmo eternos e o tempo apenas uma convenção. Conseguiu o impossível: falar do relógio como um objeto manuseável e mais nada.
Conseguiu mais: se apaixonar pela cabra. Não disse isso nos poemas da cabra. Disse numa entrevista: “A cabra é linda!” Como um cara, um intelectual, um cara sensível como só um poeta pode ser, embora ele advogasse o fato de o poeta ser um cara normal – como pode um cara normal achar linda uma cabra?
Clarice Lispector também falou da galinha e do ovo de galinha. Metafisicamente. Tudo na escrita de Clarice leva o olhar para mais longe ou mais dentro. Escreve como se tudo levasse a crer no indizível. A galinha é mais importante do que a galinha, o ovo do que o ovo. Logo, o homem é mais importante do que esse bípede implume de Platão.
Logo, falar do ovo e da galinha é melhor do que enfiar a mão na merda.
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