Escrevi num poema em prosa que saí analfabeto da escolinha de sítio da minha infância. Talvez por isso a minha irmã pensa que eu culpo a minha primeira professora, que se chama Conceição, tem seus oitenta e poucos anos de idade e está com Alzheimer. Não, minha boa irmã, eu não culpo a coitada da Dona Conceição. Eu é que era um burrinho muito xucro, que empacava e não ia para frente de jeito nenhum.
Deve ser uma das mais antigas recordações da minha infância (não fui um menino prodígio que, adulto, lembra-se de cenas de quando era um pirralho de uns dois anos apenas) a Dona Conceição me admoestando, rigorosa: “A sua mãe se mata de trabalhar e você não faz nada, nada!” Sou capaz de jurar que foram essas palavras, exatamente, e que eu me surpreendi: nunca imaginara que a minha mãe se matava de trabalhar (a Dona Conceição se hospedava em nossa casa, devia saber) e fazia o que os outros meninos da escolinha faziam – mas não aprendia nada.
Também o amor dos pais é cego. O meu pai, a minha mãe, os meus irmãos achavam que eu era muito inteligente. Talvez fosse. Mas tinha ao mesmo tempo uma admirável incapacidade para aprender.
Aos nove anos de idade, mudamos para Igaraçu do Tietê, uma cidadezinha pobre e ignorante. Resultado: tomei bomba na terceira série do Primário. Eu era mais ignorante do que os pobres meninos de Igaraçu do Tietê.
Ainda com onze anos, naturalmente sem saber o que fazia, decidi que iria ser padre. Entrei no seminário, em Jaú, onde estudei um ano de Admissão e dois de Ginásio. Nesses três anos, eu era o último da classe. Os padres e os meus colegas olhavam-me de esguelha: “Como pode ser tão inútil!”
Somente aos quinze anos, no terceiro ginasial, consegui aprender a ler. Conheci um rapaz que tinha o apelido de Seisano – porque ficara seis anos no primeiro ano do Primário. Eu deveria ter ficado oito.
De tanto passar vergonha, sem ninguém que me orientasse – a única orientação era o desprezo –, pus-me desesperadamente a fazer todo tipo de exercícios de dicção, decorando textos e repetindo-os ad infinitum. Tornei-me um dos melhores alunos.
Concluí depois que eu era disléxico; não sei se o meu diagnóstico teria fundamento, mas até hoje troco a posição das letras numa palavra ou dos algarismos num número, o que, então, dificultava o meu aprendizado. Superada essa dificuldade inicial, passei a aprender com facilidade – dizem que o disléxico é muito inteligente.
Dizem que o disléxico pensa por imagens – tornei-me poeta.
Escrevi num poema: “Essência do ritmo e forma do mundo, a imagem é o real do poema.” E mais à frente: “o poema é imagem de uma imagem.” Para concluir: “o poema é a metáfora do universo.” Ainda acredito que acertei em cheio. Coisas de disléxico.
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