quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Tomas Tranströmer - 3 POEMAS



PÁSSAROS MATINAIS (1966)

Desperto o automóvel
que tem o pára-brisas coberto de pólen.
Coloco os óculos de sol.
O canto dos pássaros escurece.

Enquanto isso outro homem compra um diário
na estação de comboio
junto a um grande vagão de carga
completamente vermelho de ferrugem
que cintila ao sol.

Não há vazios por aqui.

Cruza o calor da primavera um corredor frio
por onde alguém entra depressa
e conta como foi caluniado
até na Direcção.

Por uma parte de trás da paisagem
chega a gralha
negra e branca. Pássaro agoirento.
E o melro que se move em todas as direcções
até que tudo seja um desenho a carvão,
salvo a roupa branca na corda de estender:
um coro da Palestina:
 
Não há vazios por aqui.

É fantástico sentir como cresce o meu poema
enquanto me vou encolhendo.
Cresce, ocupa o meu lugar.

Desloca-me.
Expulsa-me do ninho.
O poema está pronto.


EM MARÇO DE 79 

Farto de todos aqueles que com palavras fazem palavras mas onde não há uma linguagem,
Dirigi-me para a ilha coberta de neve.
A veação não conhece palavras.
As páginas em branco dispersam-se em todas as direcções.
Eu dei com vestígios de cascos de corça na neve.
Linguagem, mas nenhuma palavra.


ADERNAGEM DA NOITE PARA O DIA 

Quieta, a formiga acorda, espreita para dentro do
nada. E para além das gotas da escura folhagem e
do murmúrio nocturno, profundo no desfiladeiro do verão,
não se ouve mais nada.

O abeto ergue-se como o ponteiro de um relógio,
espinhoso. A formiga arde na sombra da montanha.
Gritos, pássaros! E por fim, vagarosamente, a carroça
das nuvens começa a rolar.

Tomas Tranströmer - Prêmio Nobel de Literatura 2011



2 comentários:

Unknown disse...

José Carlos!

Três poemas belíssimos.Realmente o poema é sempre espaçoso.

A imagem da carroça de nuvem! LINDO!

Preciso sonhar com isto!

Beijos, poeta!

Mirze

Bazófias e Discrepâncias de um certo diverso disse...

Que legal! Não conhecia este autor, e achei muitos belos estes três poemas, principalmente o primeiro deles. Confesso que estava torcendo para o Ferreira Gullar, pois um prêmio Nobel para ele (de repente) poderia estimular um pouco mais a literatura no Brasil. Abs