sábado, 14 de maio de 2011

D’APRÈS CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE



Chegou um tempo em que não digo mais: meu Deus.
Deus se tornou uma palavra inútil.
O amor se tornou uma palavra inútil.
E já não sei chorar.
As minhas mãos tecem os trabalhos e os dias.
O meu coração é de gelo.

Não quero saber mais das mulheres ou das crianças.
Estou sozinho no escuro
onde a minha solidão é maior
e posso vazar os meus olhos em segredo.

A velhice pesa como chumbo.
Os meus ombros não aguentam o peso do mundo.
As guerras e a fome provam apenas
que o homem é o mesmo animal.
Os ratos roem  a roupa do rei,
os ratos já roeram o edifício.
O suidídio não é mais questão capital da filosofia.
Vivo um tempo em que é inútil morrer.
Sobrevivo a mim mesmo como um bagaço no chão.
A vida é a pura desordem.
A vida não tem mais nenhuma justificação.

       Gregório Vaz - Metamorfoses de Ofídio
       


Um comentário:

CANTO GERAL DO BRASIL (e outros cantos) disse...

Drummond! Sou fã!
O baobá me lembrou o "Passeio Público" de Ednardo das fortalezas...
Prazer imenso poisar os pés nas nuvens daqui, poeta...

Abraço alado,
Pedro Ramúcio.