sexta-feira, 18 de junho de 2010

O calor do sol




1. O calor do sol

Os patos marcham na água do riacho.
O peru grita, protesta, contra o sol
E a solidão de ser um bicho entre os bichos.

Os bezerros pastam à sombra das jabuticabeiras.
Um mais afoito deita-se e espera, enquanto
Os outros mugem e se coçam, inquietos.

A lenha verde queima no fogão.
As labaredas sobem pelas paredes,
Estralam, estouram e caem por terra.

A água cai do alto da caixa d’água
Para o pequeno lago das carpas douradas.
A água canta e valsa entre a folhagem.

Contemplo as rosas vermelhas no galho.
A laranja explode com o calor do sol.



2. Alguns bichos

O peru caminha no pasto
Perto do lago onde a pata
Navega com os seus patinhos.

A ovelhinha malhada
Mama com desespero amoroso
Na tetas da mãe.

O porco me olha com olhos humanos
E fuça e rola e extasia-se
Com a lama do chiqueiro.

O cavalo olha para trás
Antes de beber a água do rio.
Tem as costelas da dor à mostra.

As vacas penetram no mato
Seguidas da imponência das garças.




3. A nudez e a sede

A corruíra na raiz da velha figueira.
A maritaca no alto do telhado.
O leque da pomba abana o tempo.

O homem se encontra, como num espelho,
Ruga a ruga, no tronco da figueira.
O sol estrala refletido nas folhas verdes.

À frente a paineira despida, seca, nua
Como se fosse morrer. A maior nudez
É a nudez da morte.

A estrada esburacada perde-se ao longe.
Ninguém vai, ninguém vem. Solitária,
Conversa com seus próprios buracos.

Os cactos partem-se ao sol, com sede.
Um cão chega, cheira e urina num cacto.

__________

10 comentários:

Luiza Maciel Nogueira disse...

os bichos que o homem observa e o poeta contempla. bjs.

Anônimo disse...

Vc fala a linguagem dos bichinhos =).

E que belas fotos!

Beijos.

Anônimo disse...

Gostei dos bichinhos de hoje!
Bjs querido.

chica disse...

não fugiu um só detalhe ao teu olhar atento e pleno de inspiração.Deu pra nos sentir ali, em meio à tudo!abração,chica

Wilson Torres Nanini disse...

Sua interação idílica com o que deveríamos mais prezar na vida, restaura, um pouco, as forças de nossos ossos moles, de nossa alma embrutecida pelo cotidiano feito de pólvora e arame.

Forte abraço!

Lou Vilela disse...

Endosso as palavras do Nanini. ;)

Abraços

Ana Lucia Franco disse...

Zé Carlos, como brincas e crias diante de coisas tão simples. Vida simples, mente elevada. Lembrou-me Manoel de Barros.

bjs.

Gerana Damulakis disse...

Eu diria que Brandão é mais denso que Manoel de Barros.

dade amorim disse...

Gosto tando de vir aqui! é como viajar pelo campo, sentir os cheiros e ouvir as vozes de lá.
O melhor da natureza na melhor linguagem.

Beijo

Graça disse...

Poesia descritiva e bucólica... adorei esta estrofe:

"A estrada esburacada perde-se ao longe.
Ninguém vai, ninguém vem. Solitária,
Conversa com seus próprios buracos."

Meu querido amigo, obrigada pela sua constante presença no meu "palco". Um beijo de carinho e boa semana.