quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Nonsense, Ensaio sobre a Cegueira

O problema do nonsense é que sempre faz muito sentido.


Costumo dizer que sempre é muito tempo, mas não é do tempo que pretendo falar aqui. Aliás, escrever. A vantagem em se escrever, é que se podem encher laudas e laudas de papel sem dizer nada. Também se pode falar sem dizer nada: é o que todo mundo faz.


É mais uma tautologia. Fala-se e escreve-se demais sem dizer nada.


A inutilidade da linguagem é um fato incontestável. Talvez pareça absurdo, pelo menos ninguém quer admiti-lo.


A inutilidade das ações humanas é incontestável. Há um número minimamente certo de ações necessárias: comer e defecar, por exemplo. Mas as grandes decisões humanas? Ou as pequenas decisões (que não se pode medir o peso de uma decisão)? Trabalhar, realizar ações repetitivas e sem sentido (olha aí o nonsense!). Conviver, amar o meu semelhante, esse estúpido. Amar a mulher, ou no caso dela, amar o homem, esse estúpido e essa estúpida.


O meu semelhante é um estúpido, portanto eu sou um estúpido.


Bem que Flaubert quis escrever, em Bouvard e Pecuchet, uma compilação de toda estupidez humana.


Bem que Stanislaw Ponte Preta escreveu o seu Febeapá, ou, por extenso, Festival de Besteira que Assola o País.


Felizmente morreram Flaubert e Ponte Preta. Tinham um trabalho interminável pela frente.


Não há suplício pior para o homem, esse Tântalo, do que um trabalho interminável e sem sentido. O caráter de interminável tira qualquer sentido de um trabalho.


Quando se fala em nonsense pensa-se em absurdo, quando se fala em absurdo, pensa-se em Kafka. Não contem isso para Kafka. O homem escrevia com a maior naturalidade como se não tivesse noção nenhuma de nonsense ou absurdo.


Nós é que somos absurdos, queremos uma lógica (nossa, como se fôssemos lógicos) para a realidade.


Saramago escreveu um Ensaio sobre a Cegueira, que estupidez! Meirelles fez um filme, outra estupidez.


Em terra de cego quem tem um olho é rei ou caolho? E quem tem os dois, que suplício! Agüentar a cegueira do mundo inteiro e achar-se anormal por isso. Conceber-se uma idéia dessas é sinal do fim dos tempos.


Um homem estava sentado com um porrete deste tamanho, uns dois metros e coisa, na porta de uma loja fechada do Calçadão. Quando passei, aconteceu de ele se levantar e o porrete quase me arrebenta a cabeça. Ergui os dois braços e abri a boca para gritar: “Parece cego, cara!”


Fui ruminando o grito por uns duzentos metros, quando me lembrei de voltar. Lá vinha o homem com o seu bordão que mais parecia um porrete, toque, toque, apalpando o chão. De repente, pá! Trombou com um poste.


Era um cego e nem sabia orientar-se com o seu bordão. Entrou na minha crônica para provar que não tinha nada a fazer aqui. Absurdos da vida.


Mas dizem que o cego é um homem feliz, vive rindo, de bem com a vida. O meu cego nem praguejou contra o poste, o prefeito, Deus ou o diabo. Deu dois passos à esquerda, mais para o meio do Calçadão, e seguiu seu caminho. Feliz?


É verdade que o surdo vive de cara amarrada e o cego sorri para a vida. Por quê? O surdo não sabe o que falam dele e vive enfezado. O cego tem os outros sentidos apurados, ouve muito bem o que falam dele e, como ainda por cima não vê a cara do adversário, sorri.


O cego tem a serenidade dos estóicos.


O surdo vive enfezado, isto é, cheio de fezes. E ainda querem que sorria?


Voltemos ao Ensaio sobre a Cegueira, do Saramago. Não somos todos cegos? Não sorrimos para a vida com a estultice dos cegos?


Podem chamar a essa atitude serenidade ou estoicismo, será sempre estultice.


Você nunca ouviu dizer que o mundo será dos estúpidos? Nós, que somos muito espertos. Nós, que nos amávamos tanto. Ou nos odiávamos, nos desprezávamos. Nós nos olhávamos com os óculos da indiferença, que é a forma mais elegante do ódio? Quem somos nós?


Chamamos o nosso semelhante de estúpido: somos estúpidos. O mundo será nosso, estúpidos? É estupidez querer apossar-nos deste mundo estúpido. Uma bela charada do absurdo.


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