Uma mulher parou, depois outra, e outra, enfim uma dúzia de senhoras curiosas contemplavam o caramujo. Talvez fossem apenas quatro, mas ainda assim, eram mulheres pra caramba. O caramujo era grande, era enorme, mas não justificava tanto interesse. Nunca viram?
Veio com a chuva de ontem, alguém explicou. O Aran ajoelhou-se diante do caramujo, observou-o atentamente (as mulheres tinham se afastado). Olha que distância caminhou, disse, deve estar numa velocidade fenomenal.
Veio uma boa alma, na figura de uma velha algo caricata. Logo pegou de uma sacola plástica, queria por tudo salvar o pobre habitante daquela carcaça. Mas a lesma, pegajosa, com toda a sua gosma, adstringia-se ao solo.
Aproximei-me, toquei com o pé o caramujo. A velha enfureceu-se. Saia de perto, não machuque o coitado.
Queria levá-lo para a praça próxima, para que não morresse. Mas como desgrudá-lo do solo? Alguém sugeriu que se jogasse água. Inútil. A lesma, com a sua casa às costas, estava grudada definitivamente ao chão.
E não adiantava ninguém tentar ajudar. A velha o escorraçava. Era preciso salvar o bichinho, o que, ela deixava claro, não incluía arrebentá-lo.
O Aran filosofava, como se lembrasse Zenão e a tartaruga, outro bicho que carrega a casa às costas. O que é o tempo? O tempo não existe. Quando você pensa em medi-lo, quantos segundos, talvez minutos, se passaram desde a última investida do caramujo em direção a seu destino, eis que ele se locomoveu um outro tanto, invisível, mas existente.
Um outro jovem se aproxima, tira uma embalagem do bolso, tira um cd da embalagem, e usa-a como alavanca para deslocar o caramujo. Não de um lugar para outro, isso ele o faz sem ajuda, invisivelmente. Mas para deslocá-lo do calçamento. E realiza a façanha.
Entregue o animal à vetusta senhora, amiga dos caramujos indefesos, pensa que ela lhe agradeceu? Pisou-lhe no pé, com raiva. E quando uma outra senhora perguntou-lhe quem desgrudara o molusco do cimento, sabem o que ela respondeu? Foi aquele bundão ali!
Faça o bem sem olhar a quem, seja um Bundão. Assim com maiúsculas, para enfatizar bem o nome do praticante de uma boa ação às cegas.
A agradecida senhora afastou-se com o caramujo na ponta dos dedos. Como se carregasse uma carga preciosa.
E era. Uma lesma, lenta, lenta, que se deslocava como se não saísse do lugar, prova de que não só o tempo, mas também o espaço e o movimento não existem.
Todos os filósofos do mundo não valem um caramujo ao sol da tarde escaldante. Algo no universo foi transformado com a mudança do habitat desse caramujo. Tivesse morrido esmagado por alguma botina incauta, não seria maior o estrago.
O homem, com o concurso daquela vetusta senhora, interferiu na existência de um molusco. A vida no universo não será mais a mesma.
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