Poema da tarde de dor vestida
A
tarde gemia sob os arreios, sob as esporas nas ancas e o freio comendo a boca.
Um lençol veio de manso num cesto de vime e cobriu de morte a tarde. A tarde é
uma égua sem lua, relincha no descampado com o algodão da morte nas ventas.
A
guasca do vento semeia chumbo no lombo da tarde, vergasta o ventre sofrido o
dedo de uma estrela raivosa. A unha de onça em brasa nas tetas gordas da tarde.
Um chifre vara a coxa, a penugem do pulmão pequeno, de pomba, da tarde.
O
relógio enlouquece com o espinho do silêncio no coração pequeno. A língua
sangrenta da tarde na coivara da agonia. A tarde de dor vestida, com um relógio
de ouro na argola das ventas. O relógio louco rumina o tempo numa baba de
estrume fervente. O relógio não sai do lugar, na argola das ventas, na nuvem
verde do estrume.
A
rosa de luto se despe, pétalas de carne fremem. O pasto agoniza com a gangrena
as virilhas comendo, a mata queima no aceiro do sol estripado pela seda verde.
A guampa chama a lua, chama a lua a árvore debruçada no ribeirão. A água
reflete sombra funda como um relógio morto.
Tempo
terrível de um vaga-lume só. Ai tempo morto de um vaga-lume só.
(poema em prosa de 1990)
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